Abaixo segue reprodução de matéria publicada online pela Agência FAPESP. O texto aborda um aspecto importante geral, que é a divulgação científica, ou de assuntos científicos, feito pela mídia não especializada. Esta preocupação não é nova, e mesmo nos países mais desenvolvidos há uma grande preocupação com ea questão da boa divulgação e popularização da Ciência, levando a algumas das melhores universidades a criarem cursos de especialização na área. No Brasil estamos dando os primeiros passos. Na semana passada adquirimos, na livraria do Campus da UFRN um livro bastante interessante e intitulado "Energia, Ambiente & Mídia: qual é a questão?", tendo como autores Vânia Mattozo e Celso de Brasil Camargo. Estamos plenamente de acordo com as palavras do apresentado do livro, Moacir Loth, quando afirma "Mattozo e Camargo provam que, para divulgar a ciência, o jornalista não precisa virar cientista, nem o cientista precisa virar jornalista."
Cientistas apontam problemas da cobertura da imprensa sobre mudanças climáticas
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Na avaliação de especialistas reunidos em São
Paulo para discutir a gestão de riscos dos extremos climáticos e
desastres, para que seja possível gerenciar de forma adequada os
impactos desses eventos, é fundamental informar a sociedade – incluindo
os formuladores de políticas públicas – sobre as descobertas das
ciências climáticas.
No entanto, pesquisadores estão preocupados com as dificuldades
encontradas na comunicação com a sociedade. A complexidade dos estudos
climáticos tende a gerar distorções na cobertura jornalística do tema e o
resultado pode ser uma ameaça à confiança do público em relação à
ciência.
A avaliação foi feita por participantes do workshop “Gestão dos
riscos dos extremos climáticos e desastres na América Central e na
América do Sul – o que podemos aprender com o Relatório Especial do IPCC
sobre extremos?”, realizado na semana passada na capital paulista.
O evento teve o objetivo de debater as conclusões do Relatório
Especial sobre Gestão dos Riscos de Extremos Climáticos e Desastres
(SREX, na sigla em inglês) – elaborado e recentemente publicado pelo
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – e discutir
opções para gerenciamento dos impactos dos extremos climáticos,
especialmente nas Américas do Sul e Central.
O workshop foi realizado pela FAPESP e pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com o IPCC, o Overseas
Development Institute (ODI) e a Climate and Development Knowledge
(CKDN), ambos do Reino Unido, e apoio da Agência de Clima e Poluição do
Ministério de Relações Exteriores da Noruega.
Durante o evento, o tema da comunicação foi debatido por autores do
IPCC-SREX, especialistas em extremos climáticos, gestores e líderes de
instituições de prevenção de desastres.
De acordo com Vicente Barros, do Centro de Investigação do Mar e da
Atmosfera da Universidade de Buenos Aires, o IPCC, do qual é membro,
entrou há três anos em um processo de reestruturação que compreende uma
mudança na estratégia de comunicação.
“A partir de 2009, o IPCC passou a ser atacado violentamente e não
estávamos preparados para isso, porque nossa função era divulgar o
conhecimento adquirido, mas não traduzi-lo para a imprensa. Temos agora
um grupo de jornalistas que procura fazer essa mediação, mas não podemos
diluir demais as informações e a última palavra na formulação da
comunicação é sempre do comitê executivo, porque o peso político do que é
expresso pelo painel é muito grande”, disse Barros.
A linguagem é um grande problema, segundo Barros. Se for muito
complexa, não atinge o público. Se for muito simplificada, tende a
distorcer as conclusões e disseminar visões que não correspondem à
realidade.
“O IPCC trata de problemas muito complexos e admitimos que não
podemos fazer uma divulgação que chegue a todos. Isso é um problema.
Acredito que a comunicação deve permanecer nas mãos dos jornalistas, mas
talvez seja preciso investir em iniciativas de treinamento desses
profissionais”, disse.
Fábio Feldman, do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas, manifestou
preocupação com as dificuldades de comunicação dos cientistas com o
público, que, segundo ele, possibilitam que os pesquisadores “céticos” –
isto é, que negam a influência humana nos eventos de mudanças
climáticas – ganhem cada vez mais espaço na mídia e no debate público.
“Vejo com preocupação um avanço do espaço dado aos negacionistas no
debate público. A imprensa acha que é preciso usar necessariamente o
princípio do contraditório, dando espaço e importância equânimes para as
diferentes posições no debate”, disse.
De acordo com Feldman, os cientistas – especialmente aqueles ligados
ao IPCC – deveriam ter uma atitude mais pró-ativa no sentido de se
contrapor aos “céticos” no debate público.
Posições diferentes
Para Reynaldo Luiz Victoria, da Coordenação do Programa FAPESP de
Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais, é importante que a imprensa
trate as diferentes posições de modo mais equitativo.
“Há casos específicos em que a imprensa trata questões de maneira
pouco equitativa – e eventualmente sensacionalista –, mas acho que nós,
como pesquisadores, não temos obrigação de reagir. A imprensa deveria
nos procurar para fazer o contraponto e esclarecer o público”, disse
Victoria à
Agência FAPESP.
Victoria, no entanto, destacou a importância de que os “céticos”
também sejam ouvidos. “Alguns são cientistas sérios e merecem um
tratamento equitativo. Certamente que não se pode ignorá-los, mas,
quando fazem afirmações passíveis de contestação, a imprensa deve
procurar alguém que possa dar um contraponto. Os jornalistas precisam
nos procurar e não o contrário”, disse.
De modo geral, a cobertura da imprensa sobre mudanças climáticas é
satisfatória, segundo Victoria. “Os bons jornais publicam artigos
corretos e há jornalistas muito sérios produzindo material de alta
qualidade”, destacou.
Para Luci Hidalgo Nunes, professora do Departamento de Geografia da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os negacionistas ganham
espaço porque muitas vezes o discurso polêmico tem mais apelo midiático
do que a complexidade do conhecimento científico.
“O cientista pode ter um discurso bem fundamentado, mas que é
considerado enfadonho pelo público. Enquanto isso, um pesquisador com
argumentos pouco estruturados pode fazer um discurso simplificado,
portanto atraente para o público, e polêmico, o que rende manchetes”,
disse à
Agência FAPESP.
Apesar de a boa ciência ter, em relação ao debate público, uma
desvantagem inerente à sua complexidade, Nunes acredita ser importante
que a imprensa continue pluralista. A pesquisadora publicou um estudo no
qual analisa a cobertura do jornal
O Estado de S. Paulo sobre
mudanças climáticas durante um ano. Segundo Nunes, um dos principais
pontos positivos observados consistiu em dar voz às diferentes posições.
“Sou favorável a que a imprensa cumpra seu papel e dê todos os
parâmetros, para que haja um debate democrático. Acho que isso está
sendo bem feito e a própria imprensa está aberta para nos dar mais
espaço. Mas precisamos nos manifestar para criar essas oportunidades”,
disse.
Nunes também considera que a cobertura da imprensa sobre mudanças
climáticas, de modo geral, tem sido satisfatória, ainda que irregular.
“O tema ganha vulto em determinados momentos, mas não se mantém na pauta
do noticiário de forma permanente”, disse.
Segundo ela, o assunto sobressaiu especialmente em 2007, com a
publicação do primeiro relatório do IPCC, e em 2012 durante a RIO+20.
“Em 2007, a cobertura foi intensa, mas a popularização do tema também
deu margem a distorções e exageros. O sensacionalismo é ruim para a
ciência, porque faz o tema ganhar as manchetes rapidamente por algum
tempo, mas no médio prazo o efeito é inverso: as pessoas percebem os
exageros e passam a olhar com descrédito os resultados científicos de
modo geral”, disse.