Por Elton Alisson
Agência FAPESP – A variação climática observada na Região
Metropolitana de São Paulo nos últimos anos – caracterizada por chuvas
intensas concentradas em poucos dias, espaçadas entre longos períodos
secos e quentes – deve se tornar tendência ou até mesmo agravar nas
próximas décadas.
As conclusões são de um estudo realizado por pesquisadores do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em colaboração
com colegas das Universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas
(Unicamp), Estadual Paulista (Unesp), de Taubaté (Unitau) e dos
Institutos Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e de Aeronáutica e Espaço
(IAE), entre outras instituições e universidades do Brasil e do
exterior, no âmbito do Projeto Temático “
Assessment of impacts and vulnerability to climate change in Brazil and strategies for adaptation option”, apoiado pela FAPESP.
Resultados do estudo foram descritos em artigos publicados na revista
Climate Research e contribuíram para a elaboração do
Atlas de Projeções de Temperatura e Precipitação para o Estado de São Paulo, uma publicação interna do Inpe lançada em 2014, também resultado de projeto.
“Estamos observando na Região Metropolitana de São Paulo um aumento
na frequência de chuvas intensas, deflagradoras de enchentes e
deslizamentos de terra, distribuídas entre períodos secos que podem se
estender por meses", disse José Antônio Marengo Orsini, pesquisador do
Inpe e atualmente no Cemaden.
“Os modelos climáticos projetam que esses eventos climáticos extremos
passarão a ser cada vez mais comuns em São Paulo e em outras cidades do
mundo e podem até mesmo se intensificar, se forem mantidos o atual
ritmo de urbanização e de emissão de gases de efeito estufa”, disse o
pesquisador, que coordenou o estudo.
Os pesquisadores analisaram a variabilidade do clima da região
metropolitana nos últimos 80 anos por meio de dados diários de chuva
referentes ao período de 1933 a 2011 fornecidos pela estação
meteorológica Água Funda, do Instituto de Astronomia, Geofísica e
Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). Do
período de 1973-1997, foram utilizados também dados de outras 94
estações meteorológicas espalhadas pela região.
As observações indicaram um aumento significativo, desde 1961, no
volume total de chuva durante a estação chuvosa, que pode estar
associado à elevação na frequência de dias com chuva pesada e à
diminuição de dias com precipitações leves na cidade.
Enquanto os dias com chuva pesada – acima de 50 milímetros (mm) –
foram quase nulos nos anos 1950, eles ocorreram entre duas e cinco vezes
por ano entre 2000 e 2010 na cidade de São Paulo.
Ilha de calor
De acordo com Marengo, as alterações no regime de chuvas em São Paulo
podem ser decorrentes da variabilidade climática natural, mas podem
também estar relacionadas ao crescimento da urbanização, em especial nos
últimos 40 anos, que contribuiu para agravar os efeitos da “ilha de
calor” na cidade.
Com o aumento da urbanização, o solo da região – antes exposto e com
vegetação remanescente da Mata Atlântica – foi sendo cada vez mais
coberto por materiais como asfalto e concreto, que absorvem muito calor e
não retêm umidade.
Com isso, durante o dia o clima fica muito quente e, à noite, o calor
acumulado é liberado para a atmosfera. A umidade relativa do ar da
cidade é reduzida e a evaporação de água do solo para a formação de
nuvens é acelerada, segundo explicou Marengo.
“O aumento da taxa de evaporação faz com que mais água do solo seja
extraída, deixando-o totalmente seco, como tem acontecido nas regiões
dos reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo”,
disse o pesquisador. “Isso pode contribuir para aumentar o
deficit hídrico da cidade”, avaliou.
Projeções climáticas
A fim de avaliar possíveis tendências e alterações no padrão de
chuvas extremas até 2100, os pesquisadores fizeram projeções de mudanças
climáticas de diferentes regiões do Estado de São Paulo, incluindo a
região metropolitana, usando uma técnica chamada
downscaling.
A técnica combina o modelo climático regional Eta-CPTEC, desenvolvido
pelo Inpe, com os modelos globais HadCM3 e HadGEM2, criados no Reino
Unido e usados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC, na sigla em inglês), para fazer projeções de curto, médio e longo
prazo, com uma resolução espacial de 40 quilômetros.
“Ela permite fazer previsões climáticas mais detalhadas de regiões do
Estado de São Paulo, como o Vale do Paraíba ou a Serra do Mar, que não
aparecem em um modelo climático global”, explicou Marengo.
O modelo foi rodado pelos pesquisadores com base no cenário 21 SRES
A1B de emissões de gases de efeito estufa até 2100, usado pelo IPCC.
Nesse cenário climático, considerado intermediário, as emissões de
gases-estufa poderão atingir 450 partes por milhão (ppm) e causar um
aumento na temperatura global da ordem de 3 ºC até 2100.
Os pesquisadores realizaram simulações para os períodos de 2010 a
2040, 2041 a 2070 e 2071 a 2100, tendo como base o período climatológico
de 1961 a 1990, adotado como padrão para projeções climáticas pela
Organização Mundial de Meteorologia.
Os resultados das projeções indicaram que aumentará a frequência e a
intensidade de chuvas extremas na região metropolitana de São Paulo e
nas regiões norte, central e leste do estado nas próximas décadas.
Por outro lado, as projeções também sugeriram um aumento
significativo na frequência de veranicos nessas mesmas regiões,
sugerindo que as chuvas extremas serão concentradas em alguns dias e
ocorrerão entre períodos de seca mais longos, explicou Marengo.
“As projeções mostram que haverá um aumento dos riscos de enchentes,
inundações e de delizamentos de terra na região metropolitana de São
Paulo e nas regiões norte, central e leste do estado”, disse o
pesquisador.
“As pessoas que moram nessas regiões deverão experimentar um aumento
maior de temperatura, assim como mudanças no regime de chuva e secas
mais prolongandas”, afirmou.
Vulnerabilidade climática
Segundo Marengo, uma das razões pelas quais essas regiões do estado
poderão ser mais atingidas pelas variações climáticas é o fato de terem
maior densidade populacional.
Além delas, as regiões do Vale do Paraíba, da Serra do Mar, da
Baixada Santista e de Campinas também deverão sentir mais os efeitos das
variações climáticas, indicou Marengo.
“Os impactos sociais e econômicos do aumento da temperatura, secas
mais prolongadas e mudanças no regime de chuva nesses locais deverão ser
maiores”, estimou.
“No caso da região oeste de São Paulo, por exemplo, onde a densidade
populacional é menor, os impactos serão relativamente menores, mas
também ocorrerão.”
A projeção de aumento da mancha na região metropolitana de São Paulo
até 2030, justamente nas áreas mais vulneráveis às consequências das
mudanças climáticas, deverão agravar ainda mais o risco de desastres
naturais, avaliou o pesquisador.
“Os deslocamentos populacionais causados pelas mudanças climáticas
não serão só rurais, porque há mais pessoas vivendo nas cidades do que
no campo hoje”, estimou Marengo.
“Se fenômenos recentes, como a seca em São Paulo, mostram que não
estamos preparados para enfrentar os problemas relacionados às mudanças
climáticas, os resultados do estudo reforçam que esses problemas só
tendem a piorar e que é preciso considerar possíveis estratégias de
adaptação”, disse Marengo.
O artigo contendo resultados dos estudos
Observed and projected changes in rainfall extremes in the Metropolitan Area of São Paulo (doi: 10.3354/cr01160), de Marengo e outros, pode ser lido na revista
Climate Research em
http://www.int-res.com/abstracts/cr/v61/n2/p93-107/
E o artigo
“Rainfall and climate variability: long-term trends in the Metropolitan Area of São Paulo in the 20th century” (doi: 10.3354/cr01241), de Obregón e outros, pode ser lido na mesma revista em
http://www.int-res.com/abstracts/cr/v61/n2/p93-107/