Por Fabio Reynol
Agência FAPESP – O gás metano é considerado o segundo maior
contribuinte para o aquecimento da Terra, logo depois do dióxido de
carbono (CO2), e estima-se que 70% das emissões desse gás provenham de
atividades humanas, entre as quais a pecuária.
Pesquisadores do Instituto de Zootecnia de São Paulo (IZ) concluíram
recentemente um trabalho com foco no levantamento de indicadores para o
melhoramento genético dos bovinos nelore, levando-se em conta a
mitigação dos gases de efeito estufa (GEE) gerados na pecuária.
Uma das conclusões do projeto “Seleção para produção de carne bovina com redução de gases de efeito estufa”,
coordenado por Maria Eugenia Zerlotti Mercadante, foi a de que bovinos
nelore que consomem menos para adquirir peso emitem quase tanto metano
quanto os animais que precisam de mais alimento para chegar ao mesmo
tamanho.
O trabalho durou de 2011 a 2014 e foi selecionado em um edital
voltado a questões de mudanças climáticas na agropecuária, com apoio
financeiro da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) para a consolidação das Redes Nacionais
de Pesquisa em Agrobiodiversidade e Sustentabilidade Agropecuária
(Repensa).
O principal gás de efeito estufa gerado na pecuária é o metano
entérico (CH4), produzido na digestão dos ruminantes e eliminado por
eructação (arroto).
Saber quanto o rebanho bovino de corte emite desse gás e os fatores
que influenciam nas emissões são informações importantes para a
sustentabilidade da atividade e o seu aprimoramento em busca da redução
das emissões, de acordo com a pesquisadora. “Ainda há pouca informação a
respeito das oportunidades de mitigação por meio do melhoramento
genético animal”, ressaltou Mercadante.
A pesquisa concluiu que há uma similaridade da quantidade de metano
emitida entre animais classificados como mais e menos eficientes,
considerando a quantidade de alimentos que consomem para ganhar peso.
Tanto os que ingerem mais alimentos como os que ingerem menos eliminaram
na atmosfera, em média, pouco mais de 140 gramas de metano por dia.
“A escolha do melhoramento, neste caso, deveria contemplar o animal
mais eficiente, que vai economizar alimentação e gerar menos fezes,
entre outras vantagens financeiras e ambientais”, disse a pesquisadora.
Ou seja, apesar de apresentar emissão similar aos dos animais menos
eficientes, os mais eficientes provocam menores impactos ambientais.
Os resultados mais expressivos foram obtidos com os experimentos de
gado em confinamento: o consumo dos mais eficientes foi, em média, 10%
menor e a digestibilidade, que é a capacidade de absorção de nutrientes,
4% maior.
A comparação foi feita pelo cálculo do consumo alimentar residual
(CAR), composto pela diferença entre o consumo observado e o predito,
considerando o ganho médio diário e o peso metabólico do animal (peso
vivo elevado à potência 0,75) em determinado período de tempo. Animais
mais eficientes possuem baixo CAR, ocorrendo o contrário com os menos
eficientes.
Um dos frutos mais importantes do trabalho foi o levantamento de
indicadores relacionados à eficiência de CAR de cada animal.
Descobriu-se que os mais eficientes apresentam maiores concentrações dos
hormônios insulina e IGF-I, além de menores concentrações de ureia no
plasma sanguíneo.
“Esses componentes podem ser indicadores de eficiência alimentar de
bovinos nelore”, afirmou Mercadante. Ela lembrou, no entanto, que o
estudo se limitou a avaliar condições específicas de criação e que não
necessariamente podem ser extrapoladas para outras situações.
“A pesquisa analisou animais em crescimento e pode apresentar resultados diferentes no caso de animais em terminação [fase final da criação antes do abate]”, exemplificou.
O projeto analisou quatro safras, em um total de 464 animais em
crescimento. Em duas delas, foram acompanhados 48 animais, 24 machos e
24 fêmeas em confinamento e no pasto.
Cocho automático e cabresto coletor
Para fazer a medição de metano emitida por animal, o grupo de
pesquisa utilizou uma técnica desenvolvida na Universidade do Estado de
Washington, nos Estados Unidos, conhecida como gás traçador SF6.
Uma cápsula de hexafluoreto de enxofre (SF6), um gás inerte, é
introduzida no rúmen do animal. Como ela apresenta uma taxa de liberação
conhecida de SF6, a cápsula fornece uma medida referência. Nas análises
em que são quantificados o metano e o SF6, se a quantidade do gás de
referência for fiel à taxa de liberação da cápsula, então a medição de
metano também será confiável.
O bovino recebe um cabresto que possui um tubo próximo ao focinho.
Sua função é aspirar o ar no entorno das narinas e boca do animal a uma
taxa constante.
O gás coletado é armazenado em uma canga tubular que é analisada a
cada 24 horas. As concentrações de metano e de SF6, encontradas na
canga, são avaliadas por meio de cromatografia gasosa. As medições foram
realizadas por meio de parceria com a equipe do pesquisador Alexandre
Berndt, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em São
Carlos (SP).
Para as estimativas de consumo de matéria seca individual em pastagem
foram utilizados indicadores externos adicionados à dieta ou
introduzidos no trato digestório do animal (óxido de cromo para estimar a
produção fecal e dióxido de titânio para estimar o consumo de
suplemento) e um indicador interno (fibra em detergente neutro
indigestível, para estimar o consumo de matéria seca).
No mesmo estudo realizado em confinamento, os pesquisadores contaram
com um auxílio tecnológico de um cocho automatizado. Denominado
comercialmente de GrowSafe, o equipamento canadense reconhece o animal
que está se alimentando por meio do brinco com tecnologia de
radiofrequência (RFID) e faz a medição automática do consumo de cada
animal.
“O GrowSafe elimina a necessidade de baias individuais para fazer
essa medida, permitindo mais liberdade ao animal e a reprodução de um
ambiente mais próximo da realidade da criação”, explicou a pesquisadora
do IZ.
O equipamento foi adquirido por meio do Projeto Temático “Ferramentas genômicas no melhoramento genético de características de importância econômica direta em bovinos da raça Nelore”, coordenado pela professora Lúcia Galvão de Albuquerque, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal (SP).
O trabalho incluiu ainda estudos de Economia, nos quais foram
avaliados custos e receitas advindas da emissão de metano, crescimento e
eficiência alimentar.
“É importante saber como cada uma dessas características influenciam
economicamente na produção e, portanto, qual o peso que cada uma deve
ter em um programa de melhoramento genético”, comentou Mercadante.
A pesquisadora ressaltou a necessidade de se ampliar os estudos de
eficiência alimentar e de emissão de gases de efeito estufa a fim de
abranger a amplitude que o tema demanda. “Temos somente 4 mil animais já
avaliados no Brasil, o que é pouco ante o nosso rebanho, e as condições
de criação são muito diferentes em cada região do país”, disse.
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