O cientista Carlos Nobre, doutor em meteorologia, e um dos maiores especialistas mundiais em mudanças climáticas, estará em Natal no dia 29 deste mês, segunda-feira da próxima semana. Na ocasião ele fará a aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Ciências Climáticas da UFRN, em parceria com o INPE e o CRN-INPE.
Abaixo reproduzimos uma importante entrevista que ele concedu ano passado à amazonia.org (vide link www.amazonia.org.br ).
A mais recente entrevista do Dr. Carlos Nobre foi feita pelo programa Roda Viva, e pode ser acessada aqui.
Foto: Amazônia.org |
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17/07/2009 - Criado em 1997 e ra
tificado em 2005, o pro
tocolo de Kyo
to represen
ta a primeira
ten
ta
tiva de criar um acordo mundial com me
tas para comba
ter as mudanças climá
ticas. O
tra
tado fixava que os países desenvolvidos deveriam reduzir suas emissões de gases do efei
to es
tufa em 5,2%, em relação às emissões de 1990, a
té 2012. Hoje, doze anos depois, diversos cien
tis
tas e especialis
tas da área ambien
tal cri
ticam o pro
tocolo como sendo
tímido e sem efe
tividade para realmen
te evi
tar o aquecimen
to global.
Considerado um dos maiores especialis
tas do Brasil em mudanças climá
ticas, o pesquisador do Ins
ti
tu
to Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
Carlos Nobre não acredi
ta que Kyo
to seja suficien
te. Membro do Painel In
tergovernamen
tal de Mudanças Climá
ticas (IPCC) da ONU, Nobre foi um dos responsáveis pelas pesquisas cien
tíficas que mos
traram ao mundo que a si
tuação era mui
to pior do que se imaginava, e que as reduções
teriam de ser mais acen
tuadas.
Segundo o pesquisador, para que o aumen
to de
tempera
tura não passe de 2°C, margem segura para que não ocorram mudanças drás
ticas no clima, as reduções deveriam chegar a 80% a
té 2050. "Por
tan
to, o pro
tocolo de Kyo
to é absolu
tamen
te insuficien
te a
té mesmo para servir de base para as fu
turas negociações", explica, em en
trevis
ta ao si
te Amazonia.org.br.
O cien
tis
ta fala em fu
turas negociações já pensando na Conferência de Mudanças Climá
ticas da ONU, que acon
tece no final do ano em Copenhagen. Grande par
te da comunidade in
ternacional espera que des
te encon
tro saia um novo acordo para redução de emissões, que na opinião de Nobre, precisaria ser mui
to mais rigoroso. "Copenhagen deve ser mui
to ambiciosa em colocar me
tas rigorosas: para os países desenvolvidos redução en
tre 30 e 40% a
té 2020 e para os países em desenvolvimen
to uma redução significa
tiva no crescimen
to de suas emissões", explica.
Confira abaixo a en
trevis
ta na ín
tegra.
Amazonia.org.br - Pode se dizer que o protocolo Kyoto teve sua importância e cumpriu com sua função?
Carlos Nobre - O pro
tocolo de Kyo
to
teve sua impor
tância sim. Ele mos
trou que é possível a maioria dos países do mundo chegar a um acordo in
ternacional que sinalize na direção de redução das emissões. Mui
tos duvidavam a
té que seria possível chegar a es
te acordo. En
tão o pro
tocolo mos
trou que a negociação diplomá
tica que leva a es
tes acordos é possível, claro que é difícil, mas foi efe
tivado. Agora, o acordo deixou mui
to a desejar em vários aspec
tos.
Em primeiro lugar ele foi mui
to
tímido com relação às me
tas de redução das emissões. Pode-se en
tender que ele foi assinado em 97 quando se imaginava que reduzir 5,2% em relação a 1990 dos países desenvolvidos seria um número razoável. Mas a ciência, mesmo na década de 90 como nes
ta década, mos
trou que as reduções deveriam ser mui
to superiores.
En
tão, es
ta foi a primeira falha. O problema mais impor
tan
te foi a não adesão dos Es
tados Unidos da América no acordo. Isso é uma falha pós-assina
tura, uma decisão do governo Bush. Não é uma falha do pro
tocolo em si, mas da efe
tivação do documen
to.
Uma úl
tima falha é que mesmo os países que assinaram o documen
to e es
tão
tomando inicia
tivas não cumprirão suas me
tas. En
tão vamos dizer que a no
ta de zero a dez que eu daria para o Kyo
to seria qua
tro. Menos do que cinco, o mínimo desejável, por que não cumpriu seu obje
tivo mesmo en
tre os países signa
tários. Mas
também não é zero porque ele
tem sua impor
tância his
tórica de mos
trar que é possível a
tingir negociações en
tre um grande número de países.
Ele
também permi
tiu que se
tes
tasse uma série de inicia
tivas de redução de emissões, como o comércio de cer
tificação. Diversas inicia
tivas de desenvolvimen
to limpo conseguiram recursos graças ao pro
tocolo. Principalmen
te no se
tor de energia dos países em desenvolvimen
to. Nada disso acon
teceria se não houvesse o pro
tocolo. Isso não pode ser jogado na la
ta do lixo, mas na minha avaliação o pro
tocolo não
tirou nem no
ta cinco.
Amazonia.org.br - O que deve ser mudado para que haja um protocolo com efeito?
Carlos Nobre - Eu considero que o pro
tocolo de Kyo
to foi um bom experimen
to para ser abandonado.
Temos que diminuir as emissões globais a
té me
tade do século em 80%. Por
tan
to o pro
tocolo de Kyo
to é absolu
tamen
te insuficien
te a
té mesmo para servir de base para as fu
turas negociações. A experiência sim, os erros e os acer
tos valem alguma coisa. Agora não pode simplesmen
te imaginar que a par
tir de 2012 vamos melhorar Kyo
to. As bases de negociação
têm que ser
to
talmen
te diferen
tes.
O pro
tocolo de 97 fez me
tas para 15 anos depois. Es
tamos em 2009 e
temos que
ter avanços significa
tivos em 2015, com mensuráveis reduções dos países desenvolvidos. Será discu
tido em Copenhagen algo en
tre 30% e 40%. Além disso, os países em desenvolvimen
tos devem en
trar nes
te novo acordo de forma significa
tiva. Não podem con
tinuar crescendo suas emissões, eles precisam começar a reduzir. A
taxa de crescimen
to anual
tem que cair mui
to. Por
tan
to prefiro nem discu
tir a sobrevivência do pro
tocolo de Kyo
to melhorado, mas um novo acordo.
Amazonia.org.br - Há esperanças de que Copenhagen assuma este papel?
Carlos Nobre - Todos
têm essa expec
ta
tiva. Espero que Copenhagen não decepcione o mundo, que os negociadores es
tejam à al
tura do desafio his
tórico e à al
tura do que o plane
ta vive. Com a ciência nos informando com mui
to vigor e segurança que os riscos são mui
tos maiores do que imaginávamos dez anos a
trás, que as mudanças es
tão procedendo numa velocidade maior do que imaginávamos cinco anos a
trás, em cima dessa crescen
te evidência cien
tífica nós
temos que reduzir as emissões rapidamen
te, para não colocarmos o plane
ta numa ro
ta de al
to risco. Que os negociadores e chefes de es
tado respondam com um acordo abrangen
te. Es
ta é a expec
ta
tiva.
Amazonia.org.br - De quanto seriam os cortes para que começasse a surtir algum efeito no clima?
Carlos Nobre - Cerca de 80% é número que a ciência hoje apon
ta para que houvesse 75% a 80% de probabilidade de que as
tempera
turas não aumen
tem mais do que 2ºC com relação à era pré-indus
trial. Essa é uma margem de segurança boa de que nós não levaríamos o plane
ta a uma rápida e irreversível mudança. Algumas mudanças hoje já se
tornaram irreversíveis, mas precisamos que a irreversibilidade do colapso dos subsis
temas climá
ticos não fosse uma norma. Como já comprome
temos 0,8ºC, e como nada pode ser fei
to para impedir mais 0,5ºC, a nossa margem de aumen
to de gases de efei
to es
tufa é mui
to pequena, nós já es
tamos no limi
te. É preciso uma redução global, não só dos países desenvolvidos, de 80% a menos do que se emi
tia em 1990 a
té 2050.
Amazonia.org.br - Existe vontade política dos países em agir nesta direção?
Carlos Nobre - Para os países, fazer compromissos de longo prazo, como a
té 2050, é algo mais fácil de acon
tecer, pois nenhum des
tes governan
tes nem vivo es
tará, en
tão é fácil. A grande ques
tão é quais são os compromissos de 2015 e 2020. Es
te é o in
tervalo que para que consigamos
ter reduções de 30% a 40% precisaríamos pelo menos dos países desenvolvidos e uma redução marcan
te da
taxa de emissão dos países em desenvolvimen
tos. Por exemplo, se a
té 2020 o Brasil cumprir o que reza o Plano Nacional de Mudanças Climá
ticas, com o desma
tamen
to da Amazônia abaixo de 5mil km, o Brasil já reduziria suas emissões em 30% e seria um exemplo para o mundo. Es
te é o exemplo que colocaria o Brasil no
topo dos países limpos do mundo, se nós cumprirmos es
te compromisso. Mas é impor
tan
te que economias emergen
tes diminuam a velocidade de quan
to suas emissões vêm crescendo. En
tão Copenhagen
tem que ser mui
to ambiciosa em colocar uma me
ta rigorosa, porém possível.
Amazonia.org.br - Você acredita que mecanismos de controle e punição ajudariam a manter a cumprir as metas?
Carlos Nobre - O pro
tocolo de Kyo
to
também não
tinha mecanismos de garan
tia do cumprimen
to, não havia nenhum mecanismo de punição. Es
te assun
to vai ser mui
to deba
tido ainda. Eu par
ticularmen
te não acredi
to em mecanismos de punição. Acho que é mui
to difícil punir um país, ou começar a desenvolver um sis
tema que vai gerar inúmeras assime
trias, porque qualquer sis
tema que se crie em
termos de mercado, e o mercado de carbono é um mercado, é his
toricamen
te usado con
tra os países em desenvolvimen
to. Eu par
ticularmen
te acho improvável a criação de mecanismos de punição.
Acredi
to que as me
tas rigorosas
têm que ser obje
tivos que os próprios países incorporem em suas polí
ticas in
ternas e com mui
ta força, da mesma forma que quaisquer me
tas globais de qualidade de vida, sis
temas educacionais, saúde. Os países en
tendem que elas exis
tem para seu próprio benefício e correm a
trás de cumpri-las. A
té exis
te cer
ta compe
tição para ver qual país vai cumprir primeiro. En
tão, é mui
to mais provável que nós consigamos a
tingir me
tas de redução quando as populações dos países perceberem que são
tão impor
tan
tes quan
to as me
tas de melhorias na qualidade dos a
tendimen
tos de saúde, da educação, e
tc.
Um exemplo é o caso do Brasil. Somos nós que
temos que querer reduzir es
te desma
tamen
to ilegal na Amazônia. En
tão em primeiro lugar somos nós que queremos seguir es
tas me
tas e en
tender a impor
tância des
tas. Eu en
tendo que assim é a melhor maneira de funcionar.
Amazonia.org.br - O Brasil tem feito um bom trabalho com a Amazônia?
Carlos Nobre - Sim e não. Se a gen
te olhar a redução do desma
tamen
to friamen
te nos números dos úl
timos anos, podemos dizer que não se pode cri
ticar um país que de 2004 a 2009
terá reduzido mais de 60% do desma
te. En
tão, se a gen
te olha os números, só pode elogiar. Mas é impor
tan
te
também observar se nós es
tamos criando condições de que es
ta redução do desma
tamen
to seja sus
ten
tável, seja permanen
te, se ou
tro paradigma de desenvolvimen
to da Amazônia
tomou a fren
te do paradigma boi, da soja. Mas ainda não, a economia da região não avançou na economia sus
ten
tável. En
tão, vamos dizer assim, es
ta respos
ta é sim, nós
temos que elogiar a redução e não, não ficarmos sa
tisfei
tos e comemorando es
te fei
to, porque
todas as forças que pode levar ao aumen
to ainda es
tão presen
tes e não conhecem ou
tra maneira de desenvolver a região sem desma
tar.
En
tão a vigilância
tem que ser mui
to grande, de não permi
tir o desma
te ilegal. O Es
tado de direi
to
tem que se fazer presen
te. Com relação há 10 anos, o Es
tado é mui
to mais presen
te hoje, é claro, mas ainda é pouco enraizado. O fa
to de que
tem havido progressos, principalmen
te a
través dos Minis
térios Públicos Amazônicos, não pode nos deixar
tranqüilos de que a legalidade do desenvolvimen
to es
tá garan
tida.
Amazonia.org.br - A preocupação com a floresta pode entrar nos quesitos a serem discutidos em Copenhagen ?
Carlos Nobre -
Tem que en
trar, é mui
to impor
tan
te. Quando precisamos a
tingir a me
ta de 80% de redução para ficarmos no lado menos inseguro das mudanças climá
ticas, é lógico que o se
tor flores
tal pode colaborar com 10%, 12% des
ta me
ta a
té 2050 se nós hipo
te
ticamen
te falamos de zerar desma
tamen
to dos ecossis
temas
tropicais e sub
tropicais. Alguém pode falar, "puxa, mas é mui
to pouco", mas não é pouco, pois as reduções
têm que vir de
todos os se
tores. Seria ingênuo achar que só vai vir do pe
tróleo, carvão, gás,
tem que vir de
todos os se
tores, desde a agricul
tura, da pecuária, da indús
tria.
Todos os se
tores
tem que reduzir, e a flores
tas
tem um papel mui
to significa
tivo.
Amazonia.org.br - Diminuir o desmate não pode acentuar problemas sociais na região?
Carlos Nobre - Acho que não, acredi
to que es
te raciocínio seja comple
tamen
te equivocado, porque a expansão da fron
teira agrícola se dá a
través de grandes desma
tamen
tos, que privilegiam uma agropecuária de baixíssima eficiência, pois as áreas desma
tadas são proporcionais às áreas abandonadas, e isso não pode ser permi
tido.
Segundo, não há como jus
tificar ilegalidade.
Temos que implan
tar o Es
tado de direi
to, o que é benéfico para
todos, inclusive para a economia. As a
tividades sus
ten
táveis só conseguem compe
tir economicamen
te se elas
tiverem em uma compe
tição leal. É como jus
tificar o
tráfico de drogas porque emprega pessoas.
A pequena agricul
tura, que
também responde por desma
tamen
tos,
também precisa receber um enorme apoio do governo, precisa ser subsidiada a
té que es
ta agricul
tura es
tabeleça padrões de qualidade e eficiência. As áreas desma
tadas por es
ta agricul
tura já são grandes e poderiam ser mui
to mais eficien
tes para as famílias que as fazem. E is
to não é expandindo es
ta área, mas aumen
tando a eficiência, e não só jus
tificar o aumen
to das áreas desma
tado pela agricul
tura familiar como uma necessidade incon
tornável. Não se pode jus
tificar uma agricul
tura ineficien
te, que não aprovei
ta as áreas desma
tadas, para avançar, pois, den
tro des
ta lógica, a flores
ta não
tem salvação.
Nós não podemos nos render a um argumen
to fa
talis
ta, de que as pessoas precisam se alimen
tar. Não é por ai, não es
tá havendo uma explosão populacional na Amazônia, ao con
trário. A eficiência na ques
tão agrícola é cen
tral, e deve se implan
tar permanen
temen
te na produção agrícola, sem o ciclo perverso de desma
te, cul
tivo, abandono, desma
te. Es
te ciclo vicioso em
todos os lados deve ser in
terrompido, e a maneira de fazer isso é a implan
tação do Es
tado de direi
to de um lado e a eficiência agrícola em ou
tro.
Amazonia.org.br - Existe algum exemplo de políticas que estão sendo aplicadas em outras florestas tropicais ao redor do mundo que sirvam para a Amazônia?
Carlos Nobre - Exemplos bons em pequena escala exis
te, como por exemplo a Cos
ta Rica. Ela vem
ten
tando desenvolver mais sis
temas para aprovei
tar as riquezas na
turais sem agredir o ecossis
tema. A Cos
ta Rica é o país mais impor
tan
te do mundo no
termo de eco-
turismo
tropical, mui
to mais do que o Brasil. É um bom exemplo, mas mui
to limi
tado. Isso porque de fa
to nós não conseguimos, em
termos globais, uma maneira de desenvolver regiões com flores
tas sem desma
tar. Es
te modo não exis
te.
Mas nós somos a única espécie animal do
tada de in
teligência. Se nós
transformamos o mundo a favor da nossa qualidade de vida, por que não usamos dessa in
teligência para inven
tar um modelo de desenvolver es
tas regiões sem causar desma
tamen
to? Com a ciência que
temos hoje, é possível imaginar uma economia de base flores
tal, com recursos da biodiversidade, dos serviços ambien
tais do ecossis
tema.
Tudo isso é possível, mas nós
temos que querer.
Temos que falar que não queremos mais o desma
te e inven
tar algo para subs
ti
tuí-lo. Exis
tem alguns proje
tos pilo
tos no mundo, mas ainda nada que consiga man
ter a vida de milhões de pessoas.
O desafio de inven
tar um novo modelo de desenvolvimen
to para Amazônia é um grande propulsor para o Brasil. Es
tá aí a opor
tunidade do país usar a Amazônia como alavanca para o próprio desenvolvimen
to.
Fonte: Amazônia.org