quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Extremos de Clima II

Um modelo climático brasileiro
A divulgação do relatório do PBMC marca a incorporação de uma sofisticada ferramenta para melhorar o entendimento do clima e fazer projeções no país. O Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (Besm, na sigla em inglês) é um conjunto de programas computacionais que permite simular a evolução dos principais parâmetros do clima em escala global. “O Brasil é hoje o único país do hemisfério Sul a contar com um modelo próprio”, diz Paulo Nobre, do Inpe, um dos coordenadores do Besm. “Isso nos dará uma grande autonomia para realizar as simulações que sejam de nosso maior interesse.” Com o Besm podem ser feitas, por exemplo, projeções sobre prováveis efeitos no clima no Brasil ocasionados por alterações na circulação oceânica do Atlântico Tropical e nos biomas do país. A Austrália também estava criando um modelo climático próprio, mas preferiu juntar seus esforços aos do Centro Hadley, do Reino Unido. O modelo brasileiro está sendo desenvolvido desde 2008 por pesquisadores de diversas instituições que integram o Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), a Rede Brasileira de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC).
Como qualquer programa de computador, o Besm é uma obra aberta, a ser aprimorada continuamente. Sua construção visa não somente a dotar o país de um modelo que seja o estado da arte para representar o sistema terrestre, mas também contribuir para a formação de uma nova geração de cientistas capazes de manejar um poderoso instrumento dedicado à previsão climática. A versão atual do Besm – que roda no supercomputador Tupã da Rede Clima/PFPMCG, instalado na unidade do Inpe de Cachoeira Paulista – já permite reproduzir vários fenômenos do clima global e regional e prever cenários futuros. O modelo consegue, por exemplo, reconstituir a ocorrência dos últimos El Niños e estimar o retorno desse fenômeno climático. O El Niño é o aquecimento anormal das águas superficiais do Pacífico Equatorial, uma alteração oceânica e atmosférica que afeta o regime de chuvas em boa parte do planeta. No Brasil tende a provocar secas na Amazônia e no Nordeste e intensificar a pluviosidade no Sul. Simulações feitas com o Besm mostraram que o hipotético desmatamento total da Amazônia aumentaria a intensidade dos El Niños e reduziria a precipitação anual sobre a região Norte em até 40%. Os cenários climáticos gerados pelo Besm foram aceitos neste ano pela iniciativa internacional que reúne os dados produzidos pelos 20 modelos globais até agora desenvolvidos, a fase 5 do Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados (CMIP5, na sigla em inglês). Eles inauguram a participação do Brasil no IPCC como nação fornecedora de projeções em escala planetária das mudanças climáticas. As projeções geradas pelo modelo nacional serão utilizadas para a elaboração do quinto relatório sobre mudanças climáticas do IPCC.
O Besm ainda não fornece cenários tão detalhados como os gerados por outros modelos globais e mesmo pelo modelo regional do Inpe, que enfoca o clima na América do Sul e serviu de base para boa parte das projeções do primeiro relatório do PBMC. Sua resolução espacial é de 200 por 200 quilômetros, enquanto a do modelo regional do Inpe, que por ora roda “dentro” do modelo global do Centro Hadley, é usualmente de 40 por 40 quilômetros e pode chegar a 5 por 5 quilômetros. Apesar de estar em seus primórdios, o Besm já produz simulações que traçam um panorama das variações climáticas previstas para ocorrer no Brasil nos próximos 30 anos. Pesquisa FAPESP publica em primeira mão os resultados de uma simulação inédita que mostra como a temperatura média anual da atmosfera pode variar em todos os estados do país até 2035, com base nos primeiros resultados da versão mais recente do modelo Besm. Os dados indicam um Brasil mais quente em quase todas as latitudes. “Esse é o primeiro resultado de cenário de aquecimento global futuro realizado integralmente no país, sem depender das simulações obtidas por modelos de outros países”, comenta Paulo Nobre, também um dos autores do RAN1.
Se a taxa de CO2, principal gás responsável por intensificar o efeito estufa, mantiver a tendência atual e atingir os 450 ppm daqui a três décadas, a temperatura média anual na maior parte do território nacional, em especial nas áreas mais distantes da costa, deverá se elevar até 1ºC. Apenas no Sul do país e em áreas setentrionais da região Norte a temperatura apresenta tendência a se manter estável ou até diminuir ligeiramente. “Esse resultado inicial leva em conta as contribuições das tendências de ajuste de longo tempo da circulação oceânica global e do aquecimento atmosférico decorrente do aumento moderado de CO2 em escala planetária”, explica Paulo Nobre. “São resultados preliminares. Precisamos rodar o modelo mais vezes para ter um grau maior de confiabilidade dos resultados e, assim, podermos falar mais especificamente de tendências climáticas para um estado ou uma área menor.”
As previsões do Besm para a parte mais meridional do país são as únicas que não concordam totalmente com as feitas pelo modelo regional do Inpe, que projeta uma discreta elevação de temperatura na região Sul até 2040. Até o final do século, no entanto, a maioria das projeções sinaliza que o Rio Grande do Sul vai seguir a mesma tendência das demais partes do país e se tornar mais quente. Com o aumento contínuo do CO2, a passagem do tempo faz os modelos registrarem uma elevação progressiva das temperaturas e exacerba a possibilidade de ocorrer mais ou menos chuva numa região.

Fonte: Revista FAPESP

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