Um modelo climático brasileiro
A divulgação do relatório do PBMC marca a incorporação de uma
sofisticada ferramenta para melhorar o entendimento do clima e fazer
projeções no país. O Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (Besm, na
sigla em inglês) é um conjunto de programas computacionais que permite
simular a evolução dos principais parâmetros do clima em escala global.
“O Brasil é hoje o único país do hemisfério Sul a contar com um modelo
próprio”, diz Paulo Nobre, do Inpe, um dos coordenadores do Besm. “Isso
nos dará uma grande autonomia para realizar as simulações que sejam de
nosso maior interesse.” Com o Besm podem ser feitas, por exemplo,
projeções sobre prováveis efeitos no clima no Brasil ocasionados por
alterações na circulação oceânica do Atlântico Tropical e nos biomas do
país. A Austrália também estava criando um modelo climático próprio, mas
preferiu juntar seus esforços aos do Centro Hadley, do Reino Unido. O
modelo brasileiro está sendo desenvolvido desde 2008 por pesquisadores
de diversas instituições que integram o Programa FAPESP de Pesquisa em
Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), a Rede Brasileira de Pesquisa em
Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC).
Como
qualquer programa de computador, o Besm é uma obra aberta, a ser
aprimorada continuamente. Sua construção visa não somente a dotar o país
de um modelo que seja o estado da arte para representar o sistema
terrestre, mas também contribuir para a formação de uma nova geração de
cientistas capazes de manejar um poderoso instrumento dedicado à
previsão climática. A versão atual do Besm – que roda no supercomputador
Tupã da Rede Clima/PFPMCG, instalado na unidade do Inpe de Cachoeira
Paulista – já permite reproduzir vários fenômenos do clima global e
regional e prever cenários futuros. O modelo consegue, por exemplo,
reconstituir a ocorrência dos últimos El Niños e estimar o retorno desse
fenômeno climático. O El Niño é o aquecimento anormal das águas
superficiais do Pacífico Equatorial, uma alteração oceânica e
atmosférica que afeta o regime de chuvas em boa parte do planeta. No
Brasil tende a provocar secas na Amazônia e no Nordeste e intensificar a
pluviosidade no Sul. Simulações feitas com o Besm mostraram que o
hipotético desmatamento total da Amazônia aumentaria a intensidade dos
El Niños e reduziria a precipitação anual sobre a região Norte em até
40%.
Os cenários climáticos gerados pelo Besm foram aceitos neste ano pela
iniciativa internacional que reúne os dados produzidos pelos 20 modelos
globais até agora desenvolvidos, a fase 5 do Projeto de Intercomparação
de Modelos Acoplados (CMIP5, na sigla em inglês). Eles inauguram a
participação do Brasil no IPCC como nação fornecedora de projeções em
escala planetária das mudanças climáticas. As projeções geradas pelo
modelo nacional serão utilizadas para a elaboração do quinto relatório
sobre mudanças climáticas do IPCC.
O Besm ainda não fornece cenários tão detalhados como os gerados por
outros modelos globais e mesmo pelo modelo regional do Inpe, que enfoca o
clima na América do Sul e serviu de base para boa parte das projeções
do primeiro relatório do PBMC. Sua resolução espacial é de 200 por 200
quilômetros, enquanto a do modelo regional do Inpe, que por ora roda
“dentro” do modelo global do Centro Hadley, é usualmente de 40 por 40
quilômetros e pode chegar a 5 por 5 quilômetros. Apesar de estar em seus
primórdios, o Besm já produz simulações que traçam um panorama das
variações climáticas previstas para ocorrer no Brasil nos próximos 30
anos. Pesquisa FAPESP publica em primeira mão os resultados de
uma simulação inédita que mostra como a temperatura média anual da
atmosfera pode variar em todos os estados do país até 2035, com base nos
primeiros resultados da versão mais recente do modelo Besm. Os dados
indicam um Brasil mais quente em quase todas as latitudes. “Esse é o
primeiro resultado de cenário de aquecimento global futuro realizado
integralmente no país, sem depender das simulações obtidas por modelos
de outros países”, comenta Paulo Nobre, também um dos autores do RAN1.
Se a taxa de CO2, principal gás responsável por intensificar o efeito
estufa, mantiver a tendência atual e atingir os 450 ppm daqui a três
décadas, a temperatura média anual na maior parte do território
nacional, em especial nas áreas mais distantes da costa, deverá se
elevar até 1ºC. Apenas no Sul do país e em áreas setentrionais da região
Norte a temperatura apresenta tendência a se manter estável ou até
diminuir ligeiramente. “Esse resultado inicial leva em conta as
contribuições das tendências de ajuste de longo tempo da circulação
oceânica global e do aquecimento atmosférico decorrente do aumento
moderado de CO2 em escala planetária”, explica Paulo Nobre. “São
resultados preliminares. Precisamos rodar o modelo mais vezes para ter
um grau maior de confiabilidade dos resultados e, assim, podermos falar
mais especificamente de tendências climáticas para um estado ou uma área
menor.”
As previsões do Besm para a parte mais meridional do país são as
únicas que não concordam totalmente com as feitas pelo modelo regional
do Inpe, que projeta uma discreta elevação de temperatura na região Sul
até 2040. Até o final do século, no entanto, a maioria das projeções
sinaliza que o Rio Grande do Sul vai seguir a mesma tendência das demais
partes do país e se tornar mais quente. Com o aumento contínuo do CO2, a
passagem do tempo faz os modelos registrarem uma elevação progressiva
das temperaturas e exacerba a possibilidade de ocorrer mais ou menos
chuva numa região.
Fonte: Revista FAPESP
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