Os cientistas familiarizados com a obra do historiador inglês
marxista Eric Hobsbawm, falecido no ano passado, bem que poderiam tomar
emprestado o título de seu livro dedicado às transformações
político-econômicas do século XX e empregá-lo para descrever o cenário
climático previsto para o Brasil das próximas décadas. Se o assunto são
as mudanças climáticas, a era dos extremos (nome do livro de Hobsbawm)
apenas se iniciou e, segundo os pesquisadores, veio para ficar por um
bom tempo. Em razão do aumento progressivo da concentração de gases de
efeito estufa – em maio passado, os níveis de dióxido de carbono (C02)
atingiram pela primeira vez na história recente da humanidade as 400
partes por milhão (ppm) – e de alterações na ocupação do uso do solo, o
clima no Brasil do final do século XXI será provavelmente bem diferente
do atual, a exemplo do que deverá ocorrer em outras partes do planeta.
As projeções indicam que a temperatura média em todas as grandes
regiões do país, sem exceção, será de 3º a 6ºC mais elevada em 2100 do
que no final do século XX, a depender do padrão futuro de emissões de
gases de efeito estufa. As chuvas devem apresentar um quadro mais
complexo. Em biomas como a Amazônia e a caatinga, a quantidade estimada
de chuvas poderá ser 40% menor. Nos pampas, há uma tendência de que
ocorra o inverso, com um aumento de cerca de um terço nos índices gerais
de pluviosidade ao longo deste século. Nas demais áreas do Brasil, os
modelos climáticos também indicam cenários com modificações
preocupantes, mas o grau de confiabilidade dessas projeções é menor.
Ainda assim, há indícios de que poderá chover significativamente mais
nas porções de mata atlântica do Sul e do Sudeste e menos na do
Nordeste, no cerrado, na caatinga e no pantanal. “Com exceção da costa
central e sul do Chile, onde há um esfriamento observado nas últimas
décadas, estamos medindo e também projetamos para o futuro um aumento de
temperatura em todas as demais áreas da América do Sul”, diz José
Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que
trabalha com projeções futuras a partir de modelos regionais do clima.
“A sensação é de que as estações estão meio ‘loucas’, com manifestações
mais frequentes de extremos climáticos.”
A expressão significa que os brasileiros vão conviver tanto com mais
períodos de seca prolongada como de chuva forte, às vezes um após o
outro. Isso sem falar na possibilidade de aparecimento de fenômenos com
grande potencial de destruição que antes eram muito raros no país, como o
furacão Catarina, que atingiu a costa de Santa Catarina e do Rio Grande
do Sul em março de 2004. Nas grandes áreas metropolitanas, e mesmo em
cidades de médio porte, o avanço do concreto e do asfalto intensifica o
efeito ilha urbana de calor, tornando-as mais quentes e alterando seu
regime de chuvas.
Esse quadro faz parte do mais completo diagnóstico já produzido sobre
as principais tendências do clima futuro no país: o primeiro relatório
de avaliação nacional (RAN1) do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
(PBMC), criado em 2009 pelos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Entre 9 e 13 de setembro, o
relatório será divulgado durante a 1ª Conferência Nacional de Mudanças
Climáticas Globais, organizada pela FAPESP. Concebido nos moldes do
Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em
inglês) das Nações Unidas, que, aliás, vai divulgar a primeira parte de
seu quinto relatório no final de setembro, o PBMC reuniu 345
pesquisadores de diversas áreas para formular uma síntese inédita do
estado da arte da produção científica nacional sobre o tema.
O RAN1 é dividido em três partes, cada uma elaborada por um grupo de
trabalho distinto. A primeira traz as principais conclusões de estudos
feitos entre 2007 e o início deste ano que mostram a ocorrência das
mudanças climáticas no Brasil. A segunda detalha os impactos das
alterações climáticas no país, realçando vulnerabilidades e medidas de
adaptação à nova realidade. A terceira indica formas de reduzir as
emissões de gases de efeito estufa no território nacional (ver reportagem na página 22 sobre a segunda e a terceira partes do documento).
“Fizemos uma compilação crítica dos dados produzidos pelos estudos mais
recentes”, explica o meteorologista Tércio Ambrizzi, da Universidade de
São Paulo (USP), um dos coordenadores do primeiro grupo de trabalho do
PBMC sobre a produção científica nacional. “Há regiões do país, como o
Centro-Oeste, sobre as quais quase não há estudos. Também temos pouca
pesquisa sobre o paleoclima no Brasil.”
A maioria dos trabalhos sobre esse tema analisa o pólen fossilizado
de plantas do território nacional e apresenta datação de qualidade
irregular, segundo os especialistas. “Pesquisas sobre como era o clima
do passado na costa do Atlântico em torno do Brasil são ainda mais
raras”, afirma o paleoceanógrafo Cristiano Chiessi, da USP Leste, um dos
autores do relatório. “Precisamos investir nesse tipo de estudo para
sabermos o que é variação natural do clima e o que é decorrente da ação
humana.”
Fonte: Revista FAPESP
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