Karina Toledo |
Agência FAPESP – Um estudo
divulgado segunda-feira (24/10) na revista
Nature
solucionou um mistério que há mais de uma década intrigava os
cientistas: a origem dos aerossóis atmosféricos que alimentam as nuvens
da região amazônica em condições livres de poluição.
Essas partículas microscópicas suspensas no ar desempenham um papel
fundamental para o clima, pois dão origem aos chamados núcleos de
condensação de nuvens – partículas sobre as quais o vapor d’água
presente na atmosfera se condensa para formar as gotas de nuvens e a
chuva, explicaram os autores.
De acordo com novos resultados da pesquisa, conduzida com apoio da
FAPESP no âmbito da campanha científica Green Ocean Amazon Experiment
(GoAmazon), as partículas precursoras dos núcleos de condensação de
nuvens são formadas na alta atmosfera e transportadas para perto da
superfície pelas nuvens e pela chuva.
“Há pelo menos 15 anos temos tentado medir no solo a formação de
novas partículas de aerossóis na Amazônia e o resultado era sempre zero.
As novas partículas nanométricas simplesmente não apareciam na
Amazônia. As medições eram feitas em solo ou com aviões voando até no
máximo 3 mil metros de altura. Mas a resposta, na verdade, estava ainda
muito mais no alto”, contou Paulo Artaxo, professor do Instituto de
Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e coautor do artigo.
Segundo Artaxo, que coordena o Projeto Temático “
GoAmazon: interação da pluma urbana de Manaus com emissões biogênicas da Floresta Amazônica”,
a floresta naturalmente emite gases conhecidos como compostos orgânicos
voláteis (VOCs, na sigla em inglês) – entre eles terpenos e isoprenos
–, que são carregados pela convecção nas nuvens para a alta atmosfera,
podendo chegar a 15 mil metros de altitude, onde a temperatura gira em
torno de 55°C negativos.
“Com o frio, os gases voláteis se condensam e formam partículas
inicialmente muito pequenas – entre 1 e 5 nanômetros. Essas
nanopartículas adsorvem gases e se chocam umas com as outras,
rapidamente coagulam e crescem até alcançar um tamanho em que podem
atuar como núcleo de condensação de nuvens – em geral acima de 50 a 70
nanômetros”, explicou Artaxo.
Em altitudes elevadas, acrescentou o pesquisador, o processo de
coagulação das partículas é facilitado pela baixa pressão atmosférica,
baixas temperaturas e pelo grande número de partículas presentes.
“Até que, em uma determinada hora, uma dessas gigantescas nuvens
convectivas gera uma forte corrente de ar com ventos descendentes e, ao
precipitar, traz essas partículas para perto da superfície”, continuou
Artaxo.
Achado surpreendente
Parte das medições apresentadas no artigo foi feita em março de 2014 –
período de chuva na Amazônia – por um avião de pesquisa capaz de voar
até 6 mil metros de altura. A aeronave, conhecida como Gulfstream-1,
pertence ao Pacific Northwest National Laboratory (PNNL), dos Estados
Unidos.
Outro conjunto de dados foi obtido entre março e maio de 2014 no
laboratório operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(Inpa) – chamado Torre Alta de Observação da Amazônia (ATTO, na sigla em
inglês), que tem 320 metros de altura e está situado na Reserva
Biológica de Uatumã, uma área de floresta distante 160 quilômetros a
nordeste de Manaus, onde a poluição urbana dificilmente chega.
Medições de aerossóis complementares foram feitas em um conjunto de
torres situado cerca de 55 quilômetros ao norte de Manaus, conhecido
como ZF2. E também na cidade de Manacapuru, a cerca de 100 quilômetros a
oeste de Manaus, onde está instalada a infraestrutura do Atmospheric
Radiation Measurement (
ARM)
Facility – um conjunto móvel de equipamentos terrestres e aéreos
desenvolvido para estudos climáticos, pertencente ao Departamento de
Energia dos Estados Unidos.
“Para nossa surpresa, observamos que a concentração de material
particulado aumentava com a altitude – quando o esperado seria uma
quantidade maior próximo da superfície. Encontramos uma quantidade muito
grande de aerossóis nesse limite de voo de 6 mil metros do
Gulfstream-1”, contou Luiz Augusto Toledo Machado, pesquisador do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coautor do artigo.
A observação inicial se confirmou quando, no âmbito do projeto Acridicon-Chuva, coordenado por Machado e
apoiado pela FAPESP,
foram feitas novas medições com uma aeronave de pesquisa alemã capaz de
voar até 16 mil metros de altitude. O avião denominado Halo (
High Altitude and Long Range Research Aircraft)
é administrado por um consórcio de pesquisa que inclui o Centro Alemão
de Aeronáutica (DLR), o Instituto Max Planck (MPI) e a Associação de
Pesquisa da Alemanha (DFG).
“Notamos que, em regiões poluídas, havia uma quantidade extremamente
grande de material particulado próximo da superfície, o que não
acontecia nas regiões livres de poluição. Mas, em altitudes elevadas,
encontrávamos grande concentração de partículas independentemente do
grau de poluição. Agora, este trabalho mostra que a chuva traz essas
nanopartículas para perto da superfície, onde formam novas populações de
material particulado que atuam como núcleo de condensação de nuvens”,
disse Machado.
Como pontuou o pesquisador do Inpe, já se sabia que a chuva limpa a
atmosfera, mas não se conhecia o mecanismo pelo qual os aerossóis eram
repostos. “O interessante foi ter apreendido que, ao mesmo tempo que a
chuva remove os aerossóis, ela traz, em suas correntes descendentes, os
embriões [
as nanopartículas] que, após crescerem, vão recompor a concentração de aerossóis.”
Segundo Artaxo, a observação foi surpreendente porque quando se
ultrapassa a camada limite planetária – altitudes superiores a 2,5 mil
metros – ocorre uma inversão de temperatura que costuma inibir a
movimentação vertical de partículas. “Mas não levávamos em conta o papel
das nuvens convectivas como transportadoras dos gases emitidos pela
floresta”, disse.
Os estudos feitos no âmbito do experimento GoAmazon, acrescentou o
pesquisador, estão demonstrando que os VOCs oriundos das plantas fazem
parte de um mecanismo fundamental para a produção de aerossóis em áreas
continentais.
“Os VOCs emitidos pela floresta e as nuvens fazem uma dinâmica muito
peculiar e produzem enormes quantidades de partículas em altas
altitudes, onde se acreditava que elas não existiriam. É a biologia da
floresta atuando junto com as nuvens para manter o ecossistema amazônico
em funcionamento”, ressalta Artaxo.
Esses gases, segundo o pesquisador, são jogados para a alta
atmosfera, onde a velocidade do vento é muito grande, e são
redistribuídos pelo planeta de forma muito eficiente. No caso da
Amazônia, parte é transportada para os Andes, parte para o sul do Brasil
e parte afeta a própria região da floresta tropical. “Estamos
atualmente realizando trabalhos de modelagem para precisar as regiões
afetadas pelas emissões de VOCs da Amazônia e transportadas pela
circulação atmosférica”, contou o professor da USP.
Como era até agora desconhecido, esse mecanismo de produção de
aerossóis não está contemplado em nenhum modelo climático. “É um
conhecimento que terá de ser incluído, pois ajudará a tornar as
simulações de chuva mais precisas”, afirmou Machado.
O pesquisador do Inpe ressaltou ainda que a descoberta só foi
possível graças aos aviões de pesquisa que estiveram em Manaus por meio
das parcerias firmadas no âmbito do experimento GoAmazon, uma campanha
internacional do Departamento de Energia dos Estados Unidos conduzida em
parceria. “O Brasil ainda não tem uma aeronave laboratório desse porte,
o que seria fundamental para o avanço de pesquisas atmosféricas”,
disse.
Além do Acridicon-Chuva, coordenado por Machado, e do Projeto
Temático coordenado por Artaxo, conta ainda com apoio da FAPESP o
projeto “
Pesquisa
colaborativa Brasil-EUA: modificações causadas pela poluição antrópica
na química da atmosfera e na microfísica de partículas da floresta
tropical durante as campanhas intensivas do GoAmazon”, coordenado por Henrique de Melo Jorge Barbosa, pesquisador do IF-USP.
O artigo
Amazon boundary layer aerosol concentration sustained by vertical transport during rainfall pode ser lido em
http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/nature19819.html.