Coordenador do INCT da Criosfera, Jefferson Simões passa a
representar a América Latina em órgão internacional sobre a ciência no
continente gelado. Em entrevista ao Portal MCTIC, ele defendeu a ciência
de alta qualidade, principalmente, as pesquisas sobre a influência da
Antártica no clima da América do Sul e a biodiversidade
O cientista brasileiro Jefferson Simões foi eleito para uma das
quatro vice-presidências do Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica
(Scar, na sigla em inglês), órgão responsável por implementar a pesquisa
científica internacional no continente gelado. Estabelecido em
fevereiro de 1958, o Scar é uma instância interdisciplinar ligada ao
Conselho Internacional para Ciência. A participação do pesquisador no
comitê executivo do Scar é um reconhecimento do papel de destaque da
comunidade científica brasileira e fortalece a presença do País na
Antártica.
“Agora, estarei também no papel de assessorar toda a comunidade
sul-americana e, na medida do possível, incentivar programas de alta
qualidade científica, principalmente nas questões de mudança do clima,
do papel da Antártica no sistema climático sul-americano e como nós
podemos entender a biodiversidade da Antártica e suas ligações com a
América do Sul”, afirmou Jefferson Simões ao Portal MCTIC direto de
Cambridge, na Inglaterra.
Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da
Criosfera, o pesquisador foi eleito durante a 34ª Conferência de Ciência
Aberta do Scar, em Kuala Lumpur, na Malásia, que reuniu delegados
nacionais de 31 países entre 20 e 30 de agosto. De lá, Jefferson Simões
foi para a Inglaterra visitar o Serviço Antártico Britânico e discutir
futuras cooperações com o Programa Antártico Brasileiro, principalmente
por meio do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), o qual dirige. O pesquisador também coordenou a
elaboração do plano de ação Ciência Antártica para o Brasil, lançado
pelo MCTIC em 2013 e válido até 2022.
MCTIC: O que a sua eleição para o Scar representa para o Brasil?
Jefferson Simões: O Scar integra o Conselho
Internacional para Ciência. No momento, sou o único latino-americano do
comitê executivo e, então, represento toda a comunidade científica da
América Latina. O órgão é responsável por iniciar, desenvolver e
coordenar pesquisa. Como vice-presidente, vou ter o papel não só de
atuar na gestão e qualificação dessa ciência, mas também de dar posições
e apontar quais são as áreas de mais interesse científico no momento,
com tendência a visualizar do ponto de vista sul-americano.
Evidentemente, quando você é eleito para um cargo de um comitê
internacional de ciência, você já exerce uma liderança. No Brasil, sou
delegado nacional, que é a posição sênior do Programa Antártico
Brasileiro do ponto de vista científico. E agora eu estarei também no
papel de assessorar toda a comunidade sul-americana e, na medida do
possível, incentivar programas de alta qualidade científica,
principalmente nas questões de mudança do clima, do papel da Antártica
no sistema climático sul-americano, e como nós podemos entender a
biodiversidade da Antártica e suas ligações com a América do Sul, que
são questões mais pertinentes ao nosso cotidiano.
MCTIC: O País retorna ao comitê executivo do Scar após 16
anos. Quem foi nosso último representante? Há uma história nacional no
órgão?
Jefferson Simões: Nós tivemos como delegado nacional
o professor Antonio Carlos Rocha-Campos, que chegou à vice-presidência e
inclusive à presidência do Scar, durante quatro anos. Em 2000, ele se
retirou dessa representação. E eu fui delegado nacional por quatro anos,
antes de ser eleito vice-presidente.
MCTIC: O Brasil tem condições de fortalecer sua influência na Antártica?
Jefferson Simões: A grande questão hoje para o
Brasil assumir uma liderança maior e ficar entre os 10 melhores países
de atividade antártica é a continuidade financeira da parte científica.
Hoje em dia, a qualificação e o status de um país dentro do Tratado
Antártico, que influencia 10% da área do planeta, são dados pela
qualidade de seu programa científico e não somente pela sua presença no
continente. Basicamente, isso se refere ao fato de que não adianta nós
reconstruirmos estações se nós não tivermos um programa científico
qualificado e muito bem financiado. Aí nós estaremos dando um tiro no
pé.
MCTIC: O plano de ação “Ciência Antártica para o Brasil”,
referente ao período de 2013 a 2022, busca ampliar o protagonismo
nacional no Sistema do Tratado Antártico. Sua eleição reflete anseios do
documento?
Jefferson Simões: O plano de ação foi estabelecido
em 2012 e deu-se início a um planejamento que não deixa de ser o
primeiro passo de um programa estratégico para o período. Eu tive a
felicidade de ser o relator. O documento teve como principal objetivo
identificar as áreas de maior interesse científico para o Brasil,
principalmente do ponto de vista ambiental e de questões que poderiam
afetar o nosso dia a dia, tais como variabilidade climática, o papel da
Antártica nas correntes oceânicas que chegam à costa do Brasil, como
isso afeta, por exemplo, colheitas, quebras de safras, e também
associada à questão de recursos minerais na plataforma costeira
brasileira. De certa maneira, a ideia foi dar um sabor brasileiro ao
nosso programa. Para isso, foram escolhidas cinco grandes áreas que
abordam temas interdisciplinares e multidisciplinares, desde a questão
climática, do nível médio dos mares e do monitoramento das geleiras, à
biodiversidade e à exploração de organismos em condições extremas, de
baixíssimas temperaturas, sem falar das relações da Terra com o Sol e da
evolução geológica da Antártica. Isso tudo é um planejamento que ainda
está sendo implementado.
MCTIC: Você está em Cambridge para atividades ligadas ao Scar?
Jefferson Simões: Cheguei a Cambridge vindo da 34ª
Conferência de Ciência Aberta do Scar, realizada em Kuala Lumpur, na
Malásia. E agora aproveito a passagem pela Inglaterra para visitar o
Serviço Antártico Britânico e discutir futuras cooperações com o
Programa Antártico Brasileiro, principalmente por meio do Centro Polar e
Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tanto na
Antártica como nas geleiras do Peru e da Bolívia, porque, por incrível
que pareça, essas formações afetam inclusive a bacia amazônica.
MCTIC: Como você avalia o momento do Programa Antártico Brasileiro?
Jefferson Simões: O Programa Antártico Brasileiro
passa por um momento de transformação, aprimoramento e também de
avaliação. Ele certamente é um programa de destaque na América Latina,
já se estabeleceu e tem vários grupos com altíssima produtividade, mas
nós ainda sofremos de problemas que necessitam correção. Alguns são da
sua própria estrutura, que era ultrapassada até 2008 ou 2009, embora
hoje nós tenhamos profissionais extremamente qualificados. Mas nós
sofremos atualmente um risco muito sério com a perda dos nossos
recém-doutores. Como a ciência brasileira, o sistema sofre uma crise
muito forte, devido a cortes de bolsas de pós-doutorado nos últimos dois
anos. Se não for resolvido isso, infelizmente haverá dificuldades.
MCTIC: O ministério autorizou em agosto o pagamento de uma
emenda parlamentar da deputada Jô Moraes no valor de R$ 290 mil em apoio
à manutenção do módulo Criosfera 1. Os recursos viabilizam parte da
logística da expedição científica, por meio do uso de aviões e tratores
sobre o manto antártico. Essa liberação abre perspectivas?
Jefferson Simões: Sim, o MCTIC autorizou o pagamento
para apoiar a manutenção do único laboratório latino-americano no
interior da Antártica, que é o Criosfera 1. Nós estávamos numa situação
de penúria, inclusive com a possibilidade de fechamento. Com a liberação
desses recursos, vamos poder fazer uma missão, certamente minimalista,
mas pelo menos manter por mais um ano o funcionamento desse módulo, que
coleta dados sobre dióxido de carbono, informações meteorológicas e
amostras atmosféricas, como micropartículas, além de medir raios
cósmicos. O interessante é que ele ocupa, desde sua instalação, em 2011,
o posto latino-americano mais próximo do Polo Sul geográfico, a mais de
2,5 mil quilômetros ao sul da Estação Antártica Comandante Ferraz.
MCTIC
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