Por Elton Alisson
Agência FAPESP – O aumento de 2 °C na temperatura global até
2050, conforme um dos cenários previstos pelo Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC), poderá beneficiar a fisiologia e os
processos bioquímicos e biofísicos envolvidos no crescimento de plantas
forrageiras como a Stylosanthes capitata Vogel, leguminosa utilizada para pastagem de gado em países tropicais como o Brasil.
A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores do
Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.
Resultado de um Projeto Temático, realizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), o estudo acaba de ser publicado na revista Environmental and Experimental Botany.
“O aumento de 2 °C na temperatura do ambiente em que a Stylosanthes capitata
Vogel foi cultivada experimentalmente favoreceu a fotossíntese, além do
aumento das folhas e da biomassa da planta”, disse Carlos Alberto
Martinez, coordenador do projeto e primeiro autor do estudo, durante palestra no Workshop on Impacts of Global Climate Change on Agriculture and Livestock, realizado no dia 27 de maio, na FAPESP.
De acordo com Martinez, a Stylosanthes capitata Vogel é uma
importante leguminosa forrageira em regiões tropicais e subtropicais no
mundo. A espécie de planta pode crescer em ambientes arenosos e é muito
resistente à seca.
Com as mudanças climáticas globais, estimava-se que um aumento
moderado de pouco mais de 2 °C na temperatura poderia ter efeitos
prejudiciais sobre o desempenho fisiológico e o crescimento da planta
quando cultivada em um ambiente tropical, como no Brasil.
A fim de testar essas hipóteses, os pesquisadores realizaram um
experimento em que cultivaram plantas em campo aberto, em um ambiente
com temperatura normal, e em uma área com temperatura controlada, por
meio de um sistema chamado T-FACE.
O sistema conta com um equipamento que permite controlar a irradiação
de calor sobre a copa das plantas, por meio de aquecedores de
infravermelho, de modo a permitir que a temperatura do ambiente de
cultivo esteja sempre 2 °C acima da temperatura normal.
Após cultivar as plantas com essas diferenças de temperatura durante
30 dias, os pesquisadores realizaram medições de conversão de energia
fotossintética, além de análises bioquímicas e da biomassa acima do
solo.
Os resultados das medições e análises indicaram que o aumento de
cerca de 2 °C na temperatura foi capaz de melhorar a atividade
fotossintética e a proteção antioxidante das plantas.
Além disso, resultou em um incremento de 32% no índice de área foliar
e de 16% na produção de biomassa acima do solo em comparação com as
plantas cultivadas sob temperatura normal, segundo Martinez.
“O aumento da temperatura durante o período experimental foi
favorável para o desenvolvimento dos processos bioquímicos e biofísicos
envolvidos no crescimento da planta”, afirmou.
Adaptação climática
Segundo Martinez, algumas das possíveis explicações para o aumento da
atividade fotossintética, além do índice de área foliar e da produção
de biomassa de exemplares de Stylosanthes capitata Vogel submetidas ao aumento da temperatura foram a aclimatação térmica e fotossintética da planta.
A planta promoveu ajustes em sua fisiologia de modo a não só lidar
com um aumento potencialmente estressante na temperatura durante sua
fase de crescimento, mas também para realizar fotossíntese com maior
eficiência e manter ou até mesmo aumentar seu crescimento sob essa nova
condição climática.
“Os resultados do estudo indicaram que um aumento de até por volta de
2 °C na temperatura pode ser vantajoso para o crescimento de algumas
espécies de plantas tropicais, como a Stylosanthes capitata Vogel”, afirmou Martinez.
“É necessário elucidar, no entanto, os efeitos do aquecimento na fase
reprodutiva para detectar possíveis impactos do aumento da temperatura
sobre a floração, fecundação, rendimento de sementes e outros processos
do desenvolvimento dessas plantas”, disse.
Em outro experimento, os pesquisadores cultivaram a planta forrageira Panicum maximum
em temperatura 2 °C acima da normal e com uma concentração de carbono
de 600 partes por milhão (ppm) – equivalente a 50% a mais do que a
existente hoje e que deve ser atingida até 2050, conforme um dos
cenários projetados pelo IPCC.
Os pesquisadores constataram que houve uma menor partição de biomassa
para as folhas em relação ao caule das plantas cultivadas sob essas
condições.
“Essa mudança na relação folha-caule é ruim porque o gado se alimenta
da folha e não do caule, que é muito duro e o animal não consegue
digerir”, disse Martinez.
Braquiária
Resultados similares também foram obtidos por pesquisadores do Centro
de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, campus de Piracicaba, em um
experimento realizado com Brachiaria decumbens – mato comum em lavouras de café e principal planta forrageira no Brasil, conhecida popularmente como capim-mombaça.
Ao cultivar a planta em um ambiente com 200 ppm de carbono acima do
nível atual também em um sistema FACE, instalado na Embrapa Meio
Ambiente em Jaguariúna, no interior de São Paulo, os pesquisadores
observaram um aumento na produção de caule e diminuição de biomassa nas
folhas da planta.
“Isso pode ter uma série de implicações para o uso dessa planta como
forrageira, utilizada em mais de 80 milhões de hectares de pasto no
Brasil”, disse Raquel Ghini, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente e uma
das autoras do estudo, durante sua palestra no evento.
Segurança alimentar
Na avaliação de Martinez, é preciso investigar os possíveis impactos
das mudanças climáticas globais sobre plantas utilizadas como pastagem,
porque elas representam a principal fonte de alimento para o gado em
países como o Brasil – um dos únicos no mundo que produz carne e leite
por meio da pecuária extensiva, ou seja, por meio da criação de gado em
pasto.
Se o rendimento de culturas tropicais e pastagens for afetado pelas
mudanças climáticas, trará consequências econômicas importantes para o
país e para a produção mundial de alimentos, avaliou.
“Os impactos das mudanças climáticas sobre as áreas de pastagem são
muito sérios e já estão ocorrendo”, afirmou Martinez. “A solução para
cultivar pasto em áreas suscetíveis à seca poderá ser a irrigação ou a
utilização de espécies resistentes à deficiência hídrica e adaptadas às
mudanças climáticas”, disse o pesquisador à Agência FAPESP.
O Projeto Temático coordenado por Martinez conta com a participação
de pesquisadores da University of Illinois, da Columbia University e do
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em
inglês), além do Consiglio Nazionale delle Ricerche, da Itália, da
Universitat de Barcelona, na Espanha, e no Brasil das Universidades
Federal de São Carlos (UFSCar), Estadual Paulista (Unesp) e Estadual do
Norte Fluminense (UENF), além do Cena da USP, do Instituto de Botânica e
da Embrapa.
O artigo Moderate warming increases PSII performance, antioxidant scavenging systems and biomass production in Stylosanthes capitata Vogel (doi: 10.1016/j.envexpbot.2014.02.001), de Martinez e outros, pode ser lido por assinantes da revista Environmental and Experimental Botany em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S009884721400029X.
E o artigo Biomass production, elemental and fibre composition of Brachiaria produced under free air carbon dioxide enrichment conditions, de Ghini e outros, pode ser lido em www.alice.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/981745/1/2013RA011.pdf.
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