Por Elton Alisson, do Rio de Janeiro
Agência FAPESP – Os efeitos das mudanças climáticas já são
percebidos e sentidos em diversos países e regiões do mundo, inclusive
no Brasil. É necessário, portanto, que os governos comecem a implementar
de forma urgente medidas de mitigação e adaptação para diminuir a
vulnerabilidade de suas populações e de setores econômicos às variações
do clima.
As conclusões são do Sumário para Formuladores de Políticas (SPM) do Relatório sobre Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades às Mudanças Climáticas do
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em
inglês), apresentado nesta terça-feira (1º de abril) na sede da Academia
Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro.
O documento, com 44 páginas, é um resumo do relatório de cerca de mil
páginas sobre impactos, adaptação e vulnerabilidades climáticas
preparado pelo IPCC e apresentado no domingo em Yokohama, no Japão.
“O SPM foi escrito especialmente para os tomadores de decisão dos
países”, disse José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos 1.719 autores do relatório geral.
Marengo é o único representante brasileiro que redigiu a conclusão do
sumário para formuladores de políticas.
“Uma das principais mensagens do documento é que as mudanças
climáticas já estão acontecendo e afetando as populações. Não vamos
precisar esperar mais 20 ou 30 anos para ver a ocorrência de eventos
climáticos extremos, como inundações ou secas intensas e ondas de calor,
como as que temos observado no Brasil nos últimos anos”, afirmou
Marengo, durante o evento.
De acordo com o pesquisador, esses fenômenos climáticos extremos
vivenciados neste e em outros países têm ajudado a entender a magnitude
das variações do clima e estimulado as nações a adotarem medidas de
adaptação.
O Brasil implantou um programa de agricultura de subsistência no
Nordeste de melhoramento de plantas adaptadas às mudanças climáticas e
tem se dedicado a conservar seus principais ecossistemas, como a
Amazônia e a Mata Atlântica, por meio do estabelecimento de corredores
biológicos.
O país, contudo, precisa implementar ações de adaptação permanentes,
que solucionem, de forma definitiva, problemas relacionados às mudanças
climáticas que afetam a população, segundo Marengo.
“A primeira etapa para a adaptação é reduzir a vulnerabilidade à
exposição ao clima no presente e isso está acontecendo no Brasil de
forma lenta”, avaliou. “A população no Nordeste é afetada frequentemente
pela seca, um problema que sempre ocorreu na região.”
Algumas medidas de adaptação à seca que têm sido implementadas no
Nordeste são a construção de cisternas para acumular a água de chuvas,
exemplificou o pesquisador.
O problema, no entanto, é que, quando a seca perdura muito tempo,
como tem acontecido na região nos últimos anos, não há como acumular
água porque quase não há estação chuvosa, avaliou.
“A adaptação às mudanças climáticas têm de ser uma medida permanente.
Não é algo que se resolve agora, sobre um determinado problema
climático que afeta uma população, e depois, no próximo ano, se avalia o
que pode ser feito caso o problema volte a surgir”, afirmou.
Diminuição da pobreza
De acordo com os pesquisadores autores do relatório, a capacidade de
adaptação às mudanças climáticas dos países das Américas do Sul e
Central nos últimos anos melhorou, em parte em razão de iniciativas
implantadas por algumas nações, mas também por causa da redução da
pobreza.
As condições socioeconômicas nas Américas do Sul e Central
melhoraram, ainda que em um ritmo lento, desde a publicação, em 2007, do
Quarto Relatório de Avaliação (AR4) do IPCC, apontaram os
pesquisadores.
Há ainda, contudo, um elevado e persistente nível de pobreza e de
desigualdade socioeconômica na maioria dos países das duas regiões, que
resulta em dificuldades de acesso à água potável, saneamento e habitação
adequada, especialmente para os grupos mais vulneráveis.
Esse conjunto de fatores contribui para a baixa capacidade de
adaptação às mudanças climáticas dessas populações, indica o relatório.
“As mudanças climáticas deverão afetar, em maior parte, as populações
mais pobres e situadas nas regiões mais tropicais do planeta”, disse
Marengo.
O relatório ressalta que as projeções climáticas realizadas após o
AR4 preveem aumento de temperatura de 1,7 ºC a 6,7 ºC na América do Sul e
entre 1,6 ºC a 4 ºC na América Central em 2100.
Já as chuvas devem diminuir em 22% no Nordeste do Brasil e entre 22% a
7% na América Central também em 2100. Por sua vez, aumentarão os
períodos de seca na região tropical da América do Sul e leste dos Andes,
e a frequência de dias e noites quentes na maioria das regiões da
América do Sul.
Ainda de acordo com o relatório, deverá aumentar a frequência e a
intensidade de eventos climáticos extremos, como secas persistentes,
chuvas fortes e inundações.
Alguns possíveis impactos dessas alterações climáticas nas duas
regiões serão a extinção de hábitats e de espécies significativas,
principalmente na região tropical da América Latina; substituição de
florestas tropicais por savanas e vegetação semiárida por árida; aumento
do número de pessoas em situação de estresse hídrico (com falta de
água); e aumento de pragas em culturas agrícolas e de doenças, como a
dengue e malária nas populações.
“Os maiores impactos das mudanças climáticas na América do Sul
deverão ser na segurança hídrica e alimentar e na saúde da população”,
avaliou Marengo.
Mudanças no uso da terra
Segundo os pesquisadores autores do relatório, as mudanças no uso da
terra nas duas regiões – como o desmatamento e a degradação ambiental –
contribuem significativamente para a piora ambiental e deverão agravar
os impactos negativos das alterações climáticas.
Apesar das taxas de desmatamento na Amazônia terem diminuído
substancialmente desde 2004 para uma média de 4.656 quilômetros
quadrados em 2012, regiões como o Cerrado brasileiro ainda apresentam
altos índices de desmatamento, com taxas médias de 14.179 quilômetros
quadrados por ano no período de 2002 a 2008, aponta o relatório.
“Os riscos das mudanças climáticas podem aumentar com a elevação das
emissões de gás carbônico geradas pela queima de combustível
fóssil&ldquo, disse Marengo.
Os altos níveis de desmatamento e degradação do solo observados na
maioria dos países da região são atribuídos, principalmente, à expansão
da agricultura extensiva e intensiva para atender a crescente demanda
mundial por alimentos.
As duas atividades que tradicionalmente dominam a expansão
agropecuária da América do Sul são a soja e a carne, no Brasil, e
algumas das áreas mais afetadas pela expansão da fronteira agrícola no
país estão nas bordas da Floresta Amazônica, no Brasil, Colômbia,
Equador, Peru e nos Andes tropicais.
“É importante considerar as necessidades políticas e legais para
manter esse processo de mudança de terra em grande escala sob controle
tanto quanto for possível”, destaca o relatório.
Foco em adaptação
Na avaliação dos pesquisadores brasileiros, autores do relatório, uma
das mudanças sensíveis do Quinto Relatório do IPCC em relação ao AR4 é o
foco em adaptação e mitigação.
Para cada projeção de mudanças climáticas para diversas partes do
mundo feita no relatório há indicações de ações de adaptação e
mitigação, destacou Marcos Buckeridge, professor do Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do
capítulo 27 do relatório, sobre os impactos das mudanças climáticas nas
Américas do Sul e Central.
“O relatório deixa muito claro que o problema das mudanças climáticas
é irreversível e, portanto, é necessário adotar e implementar medidas
adaptativas”, disse Buckeridge, à Agência FAPESP.
“A fase de mitigação está diminuindo e a de adaptar está chegando,
porque os países não conseguiram fazer mitigação dentro do que era
necessário para que os impactos diminuíssem”, avaliou.
Além de Buckeridge e Marengo, outros pesquisadores brasileiros que
participaram da elaboração do relatório do IPCC foram Carlos Afonso
Nobre, secretário de Políticas e Programa de Pesquisa e Desenvolvimento
(Seped) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Maria
Assunção Silva Dias, da USP; Carolina Dubeux, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro; Fábio Scarano, da Conservação Internacional; Jean
Pierre Ometto, do Inpe, e Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (Ipam).
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