Rafael Barbosa - Repórter - para Tribuna do Norte
A
região metropolitana de Natal pode não conseguir suprir sua necessidade
de água depois do ano de 2040, caso a temperatura média da região
aumente em 3ºC. O aumento da população e consequente aumento no consumo
de água também vão contribuir para a escassez. O crescimento da frota de
veículos automotores e da emissão de gases poluentes, causadores do
efeito estufa, também podem aumentar a temperatura média, que provoca
ainda doenças cardíacas e respiratórias. Entre os anos de 1960 e 2012 a
temperatura aumentou 2ºC, número considerado alto pelos especialistas.
Além das condições climáticas, o crescimento imobiliário e a falta de
saneamento contribuem para a poluição e consumo desordenado de água.
Temperatura aumentou dois graus
A
região metropolitana de Natal pode não conseguir suprir a sua
necessidade de abastecimento de água depois do ano de 2040, caso a
temperatura média da região aumente em 3ºC neste período. A informação é
de um estudo feito pela empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande
do Norte (Emparn), embasado também no consumo médio atual e na projeção
do crescimento da população para os próximos anos. As altas temperaturas
intensificam o fenômeno de evaporação da água dos reservatórios, que
não conseguem repor do líquido em tempo satisfatório para a demanda de
consumo. Sem ter de onde tirar água em reservatórios próximos, seria
necessário ir buscar no interior do estado.
O meteorologista
Gilmar Bristot, que assinou a pesquisa, contou que o estudo foi
desenvolvido a partir do consumo diário por pessoa da região
metropolitana (220 litros por dia), projetando-se a população da região
para as próximas décadas com base no crescimento apresentado nos últimos
anos (23,6%), e associando-se a temperatura e a capacidade hídrica de
cada uma das cidades. "Relacionando estar variantes, chegamos ao
resultado", pontuou. Bristot também fez projeções para o caso da
temperatura média aumentar em 2ºC na região metropolitana. Desta forma,
segundo o estudo, a capacidade hídrica seria insuficiente para o
abastecimento em 2060. Os dados da Emparn apontam que atualmente a
região metropolitana consome 3,24 metros cúbicos por segundo de água,
mas produz 25,06 metros cúbicos por segundo. Com um aquecimento de 2ºC e
o aumento populacional, haveria problemas com o abastecimento de água. A
produção cairia para 10m³/s, para um consumo de 11m³/s.
O
vice-coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências Climatáticas (sic: leia-se Climáticas)
do departamento de Física da UFRN, professor Claudio Moises Santos e
Silva, confirmou que o aumento das temperaturas é uma tendência mundial,
em virtude do processo de formação das chamadas ilhas urbanas de calor.
Este fenômeno se caracteriza pelo aumento da temperatura em decorrência
da modificação do solo e da paisagem natural, através das edificações,
por exemplo. Claudio Moises disse que a temperatura média de Natal
aumentou 2ºC entre os anos de 1.960 e 2010, passando de 25ºC para 27ºC.
"Eu sou paraense e moro em Natal há três anos. Nunca vi construírem
tantos prédios em tão pouco tempo numa cidade. Isso tem um preço para o
meio ambiente", relatou. O professor afirmou que o aumento de 2ºC na
temperatura média é muito alto. "Isso significa que a cidade está muito
quente, porque tem áreas mais aquecidas compensando as de baixas
temperaturas, e se sobrepondo". Ele corroborou como estudo realizado
pela Emparn no ponto sob a ótica de que em casos de aumento da
temperatura é uma tendência a diminuição da capacidade hídrica.
Natal já apresenta fenômeno "ilhas de calor"
O
fenômeno da ilha urbana de calor consiste no aumento da temperatura de
uma região em relação a outra, em virtude da modificação do solo e das
paisagens para a construção de cidades. Segundo o professor Claudio
Moises Santos e Silva, o aquecimento acontece porque a parte da energia
solar que chega até a uma superfície que contém afluentes e vegetação, é
utilizada para o a transpiração da água, parte para a
evapotranspiração, que é a transpiração das plantas, outra parte fica no
solo, outra armazenada nos vegetais e o restante aquece o ar. Já em uma
região onde a cobertura das plantas foi retirada e também não há água, a
energia dos raios solares serve somente para o aquecimento do ar,
aumentando a temperatura do local. "A retirada da vegetação nativa e da
água provoca uma alteração no balanço de energia, aumentando a
temperatura", explicou o professor.
Ele esclareceu que as ilhas
de calor não ocorrem em todas as horas do dia, nem em todas as épocas do
ano. "Em tempos de ventos mais forte e de chuva a temperatura fica mais
amena", afirmou. Segundo Claudio Moises, no início da manhã e no meio
da tarde a temperatura aumenta na capital potiguar. "Essa questão de
horário é uma característica da ilha urbana de calor e varia de região
para região", explicou.
Desenvolvimento urbano interfere nos dados
O
professor Claudio Moises atentou para o fato de que a diminuição da
capacidade hídrica das cidades também provoca o aumento da temperatura, e
não somente o contrário. "É um ciclo", disse. Segundo ele, quando se
constrói em regiões em que há córregos e se interrompe o fluxo da água,
pode-se provocar a diminuição da vazão ou até mesmo a extinção de um
rio. "O assoreamento é um caso clássico disso", exemplificou. Com o
aquecimento da temperatura, o calor aumenta a transpiração dos
reservatórios, fechando um ciclo. "É o que chamamos na física de ciclo
positivo, um processo alimentando o outro", disse o professor.
Claudio
Moises também alertou para o crescimento imobiliário na cidade de
Natal, que provoca a impermeabilização do solo, não permitindo a
absolvição de água. "Um solo seco aquece com uma maior facilidade e
emite isso para a atmosfera, que é aquecida de baixo para cima. Além
disso, o material utilizado para a cobertura do solo, como o asfalto,
reflete mais os raios solares, auxiliando nesse aquecimento", detalhou.
A
emissão de gases também contribui para o aumento da temperatura. Isso
acontece através do efeito estufa, que ocorre quando os gases presentes
na atmosfera absolvem os raios infravermelhos refletidos pela superfície
terrestre, retendo o calor. Esses gases são liberados, entre outras
formas, por veículos automotores, que têm aumentado a circulação em
Natal. Segundo dados do Detran, entre 2006 e 2011, a frota de veículos
licenciados na capital, isto é, com placa de Natal, aumentou 44%,
passando de 223.059 mil para 321.949 em 2011
Mais de 30 poços da Caern estão contaminados
Do
total de 131 poços perfurados pela Companhia de Águas e Esgotos do Rio
Grande do Norte (Caern) em Natal, mais de 30 estão contaminados por
nitrato, substância decorrente da poluição da água por coliformes
fecais. Segundo Lamarcos Teixeira, gerente da Regional Natal-Sul da
Caern, a água retirada desses poços é diluída nos mananciais de
superfície antes de ser destinada ao consumo. A concentração de nitrato
permitida para o uso humano é de 10 miligramas por litro. Lamarcos
Teixeira confirmou que em alguns poços o índice chega a 15mg/L. "Depois
da diluição, esse número fica entre oito e nove miligramas por litro",
afirmou.
Na zona Norte da capital, 70% do abastecimento é
realizado através de mananciais de superfície, as lagoas. Em Natal e na
região metropolitana, a situação se inverte: 70% da água utilizada no
abastecimento é retirada dos mananciais subterrâneos. Atualmente, apenas
35% da capital potiguar é saneada, o que aumenta os índices de
contaminação. Normalmente, quando o esgoto não é levado para tratamento,
benefício do saneamento básico, é despejado em fossas e/ou sumidouros,
que permitem a infiltração no solo. Esses dejetos seguem até os lençóis
freáticos, contaminando a água.
Outra forma de contaminação e
redução da capacidade hídrica das cidades são os poços construídos nos
condomínios. De acordo com Lamarcos Teixeira, em Natal eles totalizam
3000, e em sua maioria não obedecem as normas de perfuração. "São
construídos próximos a fossas e com pouca profundidade, estando mais
suscetíveis à contaminação e diminuindo ainda mais as reservas de água",
detalhou o gerente. Teixeira explicou que os poços devem obedecer
normas técnicas de estrutura, que dizem respeito, entre outras coisas, à
sua profundidade.
Temperatura e doenças
O
aumento da temperatura pode trazer complicações de saúde a pessoas que
são suscetíveis a determinadas patologias. De acordo com o professor
Paulo Sergio Lucio, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências
Climáticas, problemas de respiração, como alergias, podem ser
intensificados em locais de alta temperatura e clima seco. O professor
também confirmou que há estudos sendo realizados na Europa que apontam
para o desenvolvimento de doenças cardíacas por causa do desconforto
ligado às altas temperaturas.
Em contrapartida, o calor pode
diminuir a incidência de dengue. Paulo Sergio tem trabalhos na área de
bioclimatologia e estuda também o desenvolvimento e adaptação de
organismos vivos em diferentes tipos de clima. De acordo com ele, o
aydes egipte se reproduz mais facilmente entre temperaturas de 24ºC e
28ºC. "Se a temperatura fica muito alta, o mosquito entra numa fase de
letargia, procurando se alimentar menos. Isso também ocorre nas
temperaturas muito baixas", detalhou.
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