Agência FAPESP – No mundo hoje, há poucos países que lideram
os avanços científicos em modelagem climática. A maioria deles – como os
Estados Unidos, por exemplo – está no Hemisfério Norte. A Austrália era
o único país no Hemisfério Sul que possuía essa capacidade. Após
desenvolver por 30 anos modelos climáticos próprios, porém, o país
abandonou seus esforços na área e optou por importar e ajudar a
aprimorar um modelo do Hadley Centre for Climate Prediction and Research
, da Grã-Bretanha.
Agora, o Brasil acaba de preencher essa lacuna deixada pela Austrália
e se credenciou ao seleto grupo de países capazes de desenvolver um
modelo, validar e simular as mudanças climáticas globais.
Pesquisadores de diversas instituições, integrantes do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG),
da Rede Brasileira de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (Rede
Clima) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Mudanças
Climáticas (INCT-MC), concluíram a versão preliminar do Modelo
Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM, na sigla em inglês).
Alguns dos primeiros resultados de simulações feitas com o novo
modelo foram apresentados no Workshop sobre o BESM, realizado no dia 19
de fevereiro, na FAPESP.
“A opção do Brasil de enfrentar o desafio de desenvolver seu próprio
modelo de sistema climático global, em vez de importar um modelo pronto e
aplicá-lo, foi feita com o objetivo estratégico de construir uma rede
de pesquisadores capazes de atuar em todas as dimensões da construção de
um modelo desta natureza, como no desenvolvimento, validação e
simulação”, disse Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de
Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI), membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa
sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e um dos idealizadores do
BESM.
“Como nós temos uma comunidade científica atuante no desenvolvimento e
integração dos componentes de um modelo do sistema terrestre de boa
qualidade, mas ainda incipiente numericamente, não poderíamos dar um
passo como o da Austrália – que tem uma enorme competência em modelagem
climática e uma grande comunidade de pesquisadores especializados em
todos os aspectos relacionados ao clima – de aprimorar um modelo em
parceria com outro país”, explicou Nobre.
Contribuição brasileira
De acordo com Nobre e outros pesquisadores presentes ao evento, uma
das principais contribuições do novo Modelo Brasileiro do Sistema
Terrestre para os esforços internacionais de avanço das ciências
climáticas, ambientais e atmosféricas será olhar para algumas questões
particulares do Hemisfério Sul e representar alguns processos ambientais
importantes para o Brasil e outros países da América do Sul que são
considerados secundários nos modelos climáticos internacionais.
Entre essas questões, estão as queimadas, capazes de intensificar o
efeito estufa e mudar as características de chuvas e nuvens de uma
determinada região, por exemplo, e o desmatamento da Amazônia.
“Como é a própria comunidade científica brasileira na área de
modelagem climática que desenvolve esse novo modelo do sistema
terrestre, é mais lógico e até mais fácil, de certa forma, ela
introduzir a modelagem desses fenômenos que são mais típicos da América
do Sul”, avaliou Nobre.
A ideia do BESM, segundo Nobre, é ser uma plataforma aberta, em que
várias hipóteses de processos que acontecem na América do Sul, no Oceano
Atlântico e na Antártica, por exemplo, possam ser testadas pelos
pesquisadores de áreas relacionadas às ciências climáticas e ambientais.
“O objetivo foi construir um modelo climático com competência
brasileira que seja incorporado como uma contribuição do país para a
construção de um sistema global de modelagem do sistema terrestre, como
se pretende criar nos próximos anos”, disse Nobre.
“No futuro haverá um sistema global de modelagem do sistema terrestre
por meio do qual será possível montar um modelo climático por módulos
que interessem a um pesquisador para testar suas hipóteses”, estimou.
Previsões climáticas
O Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre também deverá ser utilizado
para a definição de políticas públicas no Brasil de adequação do país
aos impactos das mudanças climáticas globais.
De acordo com o Relatório Especial sobre Gestão dos Riscos de Eventos
Climáticos e Desastres (SREX, na sigla em inglês) – divulgado
recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC) –, nas últimas décadas aumentou a frequência dos eventos
climáticos extremos no mundo em função das mudanças climáticas.
No final de março de 2004, por exemplo, a região Sul do Brasil foi
atingida pelo furacão Catarina – o primeiro de classe 1 (com ventos de
119 a 153 quilômetros por hora e elevação do nível do mar de 1,2 a 1,6
metro) registrado no país.
“O novo modelo também tem a finalidade de melhorar as condições de
previsão de clima sazonal no Brasil”, disse Paulo Nobre, pesquisador do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos coordenadores
do projeto.
Primeiros resultados
Segundo o pesquisador, o desenvolvimento do novo modelo possibilitou
melhorar a previsão de precipitação (chuva) no Atlântico Sul e na
América do Sul.
“É muito difícil melhorar a previsibilidade de precipitação no
Atlântico Sul. Mas, como o novo modelo, houve um aumento generalizado da
melhoria da previsão tanto de temperatura da superfície das águas do
Atlântico Sul como da América do Sul”, afirmou.
Outro resultado da implementação do modelo foi a constatação de que o
desmatamento da Amazônia aumenta a possibilidade de ocorrência de El
Ninõ (fenômeno caracterizado por um aquecimento anormal das águas
superficiais no oceano Pacífico Tropical, capaz de afetar o clima
regional e global).
“Este foi um resultado antecipado que o modelo já pode verificar
mesmo sendo uma versão preliminar, de baixa resolução”, disse Paulo
Nobre. Segundo o pesquisador, o modelo também é capaz de prever a
capacidade de formação de chuva da Zona de Convergência do Atlântico Sul
(ZCAS) – uma região com uma extensa faixa e bandas de nuvens formadas
desde a Amazônia, Brasil Central e Sudeste até o Oceano Atlântico – que
os modelos existentes até então eram incapazes de prever.
O Brasil ainda passou a ter a capacidade de executar a previsão da extensão de gelo marinho do planeta.
“Pela primeira vez no país existe capacidade de prevermos o avanço e a
retração do gelo marinho não só no Hemisfério Sul, onde existe uma
grande dificuldade de realizar previsões de extensão de gelo, com em
outras parte do planeta”, disse Paulo Nobre.
“O modelo tem previsto, por exemplo, os últimos recordes de
diminuição da extensão do gelo do Ártico, o que nos dá sinais de que
estamos no caminho certo”, avaliou.
Aprimoramentos
O novo modelo foi construído a partir da experiência em modelagem
climática implementada no Brasil a partir da década de 1990 com
a criação no Inpe do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
(CPTEC).
A fim de desenvolver o projeto, os pesquisadores utilizaram um modelo
climático acoplado (unido) de oceano e atmosfera desenvolvido pelo
CPTEC há mais de uma década e introduziram nos últimos anos outros
componentes, como vegetação dinâmica, hidrologia continental, ciclo de
carbono dos oceanos e gelo marinho.
Para integrar esses diferentes componentes do modelo, os pesquisadores utilizam o supercomputador Tupã, instalado no final de 2010 no CPTEC, em Cachoeira Paulista (SP), com recursos da FAPESP e do MCTI.
As simulações brasileiras foram submetidas ao Projeto de
Intercomparação de Modelos Acoplados, Fase 5 (CMIP5, na sigla em
inglês), que deverá ser utilizado pelo IPCCpara balizar seu quinto
Relatório de Avaliação (AR 5, na sigla em inglês), previsto para ser
publicado no final de 2014.
“O modelo deve inaugurar a participação brasileira nos cenários
globais de mudanças climáticas do CMIP5 e do AR 5”, disse Paulo Nobre.
Por Elton Alisson
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