4/10/2012
A tramitação da MP 571/2012 do Código Florestal foi 
concluída no Congresso e retorna para apreciação da presidente da 
República. Confira a íntegra da carta encaminhada pela SBPC e ABC para a
 presidente Dilma Rousseff. 
"Senhora Presidenta, 
A
 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia 
Brasileira de Ciências (ABC) vêm mais uma vez manifestar sua preocupação
 com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012
 aprovadas pelo Congresso Nacional, que representam mais retrocessos, e 
graves riscos para o País. 
O Brasil deveria 
partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns 
internacionais, como na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre 
Desenvolvimento Sustentável. O documento aprovado na Rio+20, denominado 
"O Futuro que Queremos", ressalta o compromisso com um futuro 
sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das
 dimensões social, econômica e ambiental. 
O 
documento reconhece a importância da colaboração da comunidade 
científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o 
fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante 
avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões 
informadas. 
Reafirma a necessidade de 
promover, fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que 
melhore a segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente 
viável, ao mesmo tempo em que conserva as terras, a água, os recursos 
genéticos vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e
 aumente a resiliência à mudança climática e aos desastres naturais. 
Também
 reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que 
sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os 
benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus 
produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as 
economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar 
esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a 
restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de 
carbono. 
Com a aprovação da MP 571/2012 pelo
 Senado o Brasil deixará de cumprir os compromissos que assumiu com seus
 cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a 
agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e 
da tecnologia nas tomadas de decisão. 
A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012: 
Definição de Pousio sem delimitação de área
 - Foi alterada a definição de pousio incluída pela MP, retirando o 
limite de 25% da área produtiva da propriedade ou posse (Art. 3o inciso 
XXIV). Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser reconhecidas 
apenas à pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população 
tradicional, como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, 
deveriam manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser
 considerada como prática de interrupção temporária das atividades 
agrícolas. 
Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios
 - O texto aprovado pelo Senado Federal beneficiou as médias e grandes 
propriedades rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área 
mínima obrigatória de recuperação de vegetação às margens dos rios 
desmatadas ilegalmente até julho de 2008 foi reduzida. As APPs não podem
 ser descaracterizadas sob pena de perder sua natureza e sua função. A 
substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição 
das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, 
particularmente na Amazônia e no Pantanal, onde são importantes para a 
conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade e quantidade 
de água, e de prover serviços ambientais, pois elas protegem vidas 
humanas, o patrimônio público e privado de desastres ambientais. 
Redução das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios - A
 medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a 
serem reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera
 como Área de Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor
 de nascente, a MP introduziu a expressão "perenes" (Art. 4o, inciso 
IV), com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes 
intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor 
disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de 
áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno 
de nascentes e olhos d'água perene, é admitida a manutenção de 
atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo 
obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros (Art. 
61-A § 5º). 
Reflorestamento de nascentes e matas ciliares com espécies arbóreas frutíferas exóticas - É
 inaceitável permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares com 
árvores frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com 
vegetação nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os 
cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de 
agrotóxicos, o que implicará contaminação direta dos cursos de água 
(Art. 61-A, inciso V). 
Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais
 - As Áreas de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo
 das Reservas Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas
 e as funções ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são 
distintas. O texto ainda considera que no referido cômputo se poderá 
considerar todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, ou 
seja, regeneração, recomposição e compensação (Art. 15 § 3o ). A ABC e a
 SBPC sempre defenderam que a eventual compensação de déficit de RL 
fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade, dentro do 
mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia 
hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantêm mais ampla
 a possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que 
não assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de 
função. Mantido esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal 
equivalência e estipular uma distância máxima da área a ser compensada, 
para que se mantenham os serviços ecossistêmicos regionais. A principal 
motivação que justifica a RL é o uso sustentável dos recursos naturais 
nas áreas de menor aptidão agrícola, o que possibilita conservação da 
biodiversidade nativa com aproveitamento econômico, além da 
diversificação da produção. 
Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico -
 O Art. 61-B, introduziu a mudança que permite que proprietários 
possuidores dos imóveis rurais, que em 22 de julho de 2008, detinham até
 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris 
nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, recomponham 
até o limite de 25% da área total do imóvel, para imóveis rurais com 
área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais, excetuados 
aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este 
dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado 
Amazônico. Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a 
mudança, apenas áreas de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do 
limite de 25%. 
Delegação aos Estados para
 definir, caso a caso, quanto os grandes proprietários devem recuperar 
de Áreas de Preservação Permanente (APPs) ilegalmente desmatadas - A
 delimitação de áreas de recuperação, mantidos os parâmetros mínimos e 
máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa de 
Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação. 
Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e 
governo federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes 
proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente
 desmatadas, pode incentivar uma "guerra ambiental". 
Diminuição da proteção das veredas
 - O texto até agora aprovado diminuiu a proteção às veredas. A proposta
 determina ainda que as veredas só estarão protegidas numa faixa 
marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a partir do "espaço 
permanentemente brejoso e encharcado" (Art. 4o, inciso XI), o que 
diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a 
época das chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será
 permitido. As veredas são fundamentais para o fornecimento de água, 
pois são responsáveis pela infiltração de água que alimenta as nascentes
 da Caatinga e do Cerrado, justamente as que secam durante alguns meses 
do ano em função do estresse hídrico. 
Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais
 - O artigo 11-A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais 
atividades de carcincultura e salinas, bem como a regularização das 
atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e
 implantação tenham ocorrido antes de 22 de julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os
 manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código Florestal desde 
1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. 
Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas 
irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de
 criações de camarões. 
Senhora Presidenta, 
se queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o 
desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira 
perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os 
efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água, 
essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica 
biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas. 
Portanto
 solicitamos cordial e respeitosamente que Vossa Excelência atue para 
garantir que os itens acima apontados sejam considerados na MP 571/ 
2012, aprovada pelo Senado Federal. 
Atenciosamente, 
Helena B. Nader 
Presidente SBPC 
Presidente ABC 
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