Os resultados indicam que a gestão inadequada de recursos
hídricos pode ser o principal entrave para a conservação e uso
sustentável dos mananciais disponíveis no semiárido brasileiro
Estudos realizados nos principais reservatórios da região semiárida
do Rio Grande do Norte revelaram sérios problemas de qualidade de água,
incluindo a contaminação por metais. Os resultados indicam que a gestão
inadequada de recursos hídricos pode ser o principal entrave para a
conservação e uso sustentável dos mananciais disponíveis no semiárido
brasileiro.
“Observa-se que nesses locais a necessidade de preservação dos
recursos hídricos se torna mais eminente e medidas eficazes, sejam
tecnológicas ou educacionais, precisam ser implementadas para incentivar
a conservação dos corpos d’água”, analisa a pesquisadora Viviane Souza
do Amaral, do Departamento de Biologia Celular e Genética da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
A pesquisadora estuda a influência do fenômeno da radiação natural na
saúde das populações que vivem nas áreas de riscos. O problema se
agrava quando há a escassez de recursos hídricos, uma vez que
potencializa a concentração de metais, oriundos do processo de
decaimento de urânio, presente nos afloramentos rochosos, e provenientes
também das atividades antrópicas, como esgoto e agricultura.
Lajes Pintadas
A pesquisa realizada pela professora Viviane Amaral mostra problemas
enfrentados no município de Lajes Pintadas, situado na mesorregião do
agreste do Rio Grande do Norte, a 135 quilômetros de Natal. Com uma
população de 4.614 habitantes, a cidade é abastecida pelo açude público
construído no ano de 1953 e pela adutora Monsenhor Expedito.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2010, Lajes
Pintadas apresentou 415,2 casos de câncer num total de 4.614 habitantes,
um número superior ao registrado na capital do estado que foi de 353,5
novos casos (806.203 habitantes). No município, existem afloramentos
rochosos com a presença de ionizantes naturais que liberam o gás radônio
e, consequentemente, o chumbo para o ambiente.
Os tipos de câncer mais comuns no município são os de orofaringe,
estômago e pulmão. A alta incidência de casos de neoplasias na população
de Lajes Pintadas pode estar associada à exposição à radiação natural e
seus subprodutos como o radônio e os metais pesados, de acordo com a
pesquisa.
“Os efeitos da exposição à radiação natural são amplificados pela
diminuição da disponibilidade hídrica gerada pelos processos de seca,
uma vez que possibilita a concentração desses produtos no açude”,
destaca Viviane Amaral.
Os estudos identificaram um aumento na frequência de mutações
cromossômicas em organismos indicadores expostos às águas do açude de
Lajes Pintadas. Além disso, foram registrados altos índices de radiação
em 26 pontos distribuídos ao longo do açude e uma alta concentração de
metais, em especial o chumbo. Os valores foram significativamente
maiores em períodos de escassez hídrica.
Radiação
Segundo a Agência Internacional de Energia Atómica-AIEA (2007), o
Brasil possui uma das maiores reservas mundial de urânio, possuindo a
sétima maior reserva geológica com cerca de 310.000t de U3O8, ficando
atrás dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Rússia, Cazaquistão e
Austrália os quais possuem uma reserva com volume em torno de
1.462.000t.
O urânio é o elemento químico mais pesado de ocorrência natural.
Geralmente encontra-se disponível no interior da crosta terrestre, no
entanto, processos naturais e antrópicos contribuem para a sua
redistribuição em todo o meio ambiente. Com isso, há uma ampla
distribuição deste metal em praticamente todos os compartimentos
ambientais (rochas, solos, águas superficiais e subterrâneas, ar,
plantas e animais).
Um dos isótopos formados na cadeia de decaimento do urânio é um gás
inerte radioativo, o radônio. Este, por se tratar de um gás, tem como
sua principal via de absorção o sistema respiratório. Pelo fato desse
gás ser liberado por rochas e solos que contenham urânio, a contaminação
através da exposição natural ao radônio é um fato de preocupação
mundial. Segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer
(IARC), e o Programa Nacional de Toxicologia dos Estados Unidos (USNTP) o
radônio é um agente carcinogênico humano, e quando ao inalar um átomo
de radônio, ele pode se desintegrar dentro dos pulmões.
O chumbo inorgânico tem sido recentemente recategorizado pela IARC a
grupo 2A como provável carcinogênico humano, portanto sua presença
poderia influenciar positivamente na ocorrência de câncer pela exposição
a radônio ao longo da vida.
“Níveis elevados de chumbo no sangue têm efeitos conhecidos
relacionados com disfunção cognitiva, distúrbios neurocomportamentais,
danos neurológicos, hipertensão e insuficiência renal. Os efeitos,
relacionados à exposição ao chumbo, são distintos quando comparados em
adultos e crianças. Tal fato pode ser explicado devido à suscetibilidade
que o organismo apresenta no período da infância, principalmente no que
diz respeito ao sistema nervoso, o qual se encontra ainda em formação”,
explica a professora Viviane Amaral.
De acordo com a pesquisadora, inúmeros estudos revelam que a presença
de chumbo no sangue de crianças acima de 5 ug% causam alterações no
sistema nervoso infantil, originando problemas nas funções cognitivas,
distúrbios de comportamento, baixo rendimento escolar, diminuição da
capacidade visual, dentre outros.
“O processo de decaimento do urânio somado as condições climáticas
desfavoráveis, torna-se uma preocupação no âmbito toxicológico devido
aos diferentes efeitos em consequência da contaminação por radônio e
chumbo amplificada pela escassez hídrica. Nosso projeto propõe realizar
uma avaliação do risco carcinogênico e não carcinogênico na população
exposta naturalmente à radônio e ao chumbo no município de Lajes
Pintadas”, explica Viviane Amaral.
(Assessoria de Imprensa – Centro de Biociências – UFRN)