Samuel Antenor, de Santos | Agência FAPESP – Um estudo
internacional sobre a elevação do nível do mar causada pelas mudanças
climáticas na cidade de Santos, litoral sul do Estado de São Paulo,
resultou em um conjunto de propostas de adaptação, apresentado na
terça-feira (01/12) na Associação Comercial de Santos.
No encontro, pesquisadores e representantes da sociedade civil, da
Marinha e do Exército discutiram propostas de ações a serem executadas
na cidade nos próximos anos, a fim de enfrentar a elevação do nível do
mar e suas consequências na maior cidade portuária do Brasil, ante a
perspectiva de aumento da temperatura global acima de 2°C até o final
deste século.
As sugestões apresentadas pelo grupo fazem parte da segunda etapa do Projeto
Uma
estrutura integrada para analisar tomada de decisão local e capacidade
adaptativa para mudança ambiental de grande escala: estudos de caso de
comunidades no Brasil, Reino Unido e Estados Unidos (Metropole,
na sigla em inglês) que inclui pesquisas sobre a elevação da maré em
outras duas cidades: Broward, nos Estados Unidos, e Selsey, na
Inglaterra. Realizado por pesquisadores do Centro de Monitoramento de
Desastres Naturais (Cemaden), do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto Geológico de São Paulo, o
estudo, que contou com apoio de técnicos da Prefeitura Municipal de
Santos, foi feito em parceria com pesquisadores da University of South
Florida, dos Estados Unidos, e do King’s College London, da Inglaterra é
apoiado pela FAPESP, no âmbito de um
acordo de cooperação com o Belmont Forum.
Santos foi escolhida não apenas por suas características geográficas e
importância estratégica para o Brasil, mas por reunir os mais completos
dados sobre elevação de marés no país, registrados desde 1945 por
marégrafos e desde 1993 também por satélite (
para saber mais sobre o projeto Metropole leia agencia.fapesp.br/21997/).
“Foi elaborada uma estimativa de tendências de nível médio do mar,
com dados de marégrafo e de topografia dinâmica por altimetria de
satélites, considerando a confiabilidade, estabilidade e consistência
desses dados”, explicou Luci Hidalgo Nunes, pesquisadora da Unicamp e
participante do projeto.
Os dados coletados pelos pesquisadores foram inseridos na plataforma
COAST (Coastal Adaptation to Sea Level Rise Tool), desenvolvida por uma
empresa norte-americana, que ficou também responsável pelo armazenamento
dos dados provenientes das três cidades integrantes do Projeto
Metropole.
No caso de Santos, além dos dados espaciais georreferenciados e das
variáveis relacionadas à elevação do nível do mar, foram consideradas
variáveis socioeconômicas.
A partir disso, foram traçados dois níveis de impacto nas regiões
sudeste e noroeste da cidade, englobando diferentes áreas do município,
em um total de 13 km², onde vivem 117 mil pessoas, e cujas previsões de
elevação do nível do mar ficam entre 18 cm e 23 cm em 2050, com
projeções de 36 cm a 45 cm até 2100.
Medidas adaptativas
Considerando os cenários atuais, os dados indicam que o regime de
chuvas e as ressacas na região de Santos tenderão a ser mais intensos e
mais frequentes nas próximas décadas. Isso decorre do aumento de
temperatura global e da consequente elevação do nível do mar, além da
possibilidade de eventos extremos.
Em Santos, as sugestões para diminuir as vulnerabilidades costeiras,
apresentadas após avaliação de diferentes formas de adaptação, incluem
obras de infraestrutura.
Além da preservação e recuperação de manguezais, foram sugeridas a
implantação de comportas para controle de marés em rios, a construção de
canais de drenagem, o aumento da faixa de areia na Ponta da Praia e a
construção de quebra-mar na orla leste do município.
Para a zona noroeste do município, as propostas de medidas
adaptativas incluem a dragagem de canais, a criação de um sistema de
comportas e estações de bombeamento e a recuperação de mangues. Na
região da Ponta da Praia, no sudeste santista, a recomendação é que
sejam adotadas medidas para engordamento/alimentação artificial da
praia, a construção de um muro de proteção e de um sistema de
bombeamento e de melhoria de comporta de canais.
Para mensurar os custos da adoção ou não dessas propostas, foram
avaliados dois cenários, com e sem as medidas adaptativas. Para chegar a
um custo aproximado das adaptações, foram projetados cenários de perdas
baseados exclusivamente no valor dos imóveis nas duas regiões. Custos
relacionados a outras variáveis, como saúde e mobilidade, não foram
computados.
Com projeções de elevação das marés em 45 cm até 2100, os danos
chegariam a R$ 236 milhões na zona noroeste e passariam de R$ 1 bilhão
na região sudeste do município, caso não sejam adotadas as medidas
adaptativas. Com a adoção das medidas, os custos dos danos seriam nulos
na orla e cairiam para R$ 64 milhões na região noroeste.
Os cálculos foram feitos com base em projetos internacionais e na
tomada de preços para a execução de projetos feita pela própria
administração municipal.
“Buscamos fornecer aos tomadores de decisão a melhor informação
possível para o planejamento urbano futuro, quais seriam as ações
indicadas e seus benefícios”, explicou José Marengo, pesquisador titular
do Cemaden e coordenador do projeto no Brasil.
Políticas públicas
Uma das propostas do projeto é utilizar o conhecimento resultante
dessas pesquisas para subsidiar medidas de enfrentamento de problemas
advindos das mudanças climáticas e ajudar na tomada de decisões e na
formulação de políticas públicas. Nesse sentido, a prefeitura de Santos
publicou, também no dia 1º de dezembro, um decreto criando uma comissão
municipal de adaptação à mudança do clima.
Entre outros pontos, o texto do decreto sugere a criação de estrutura
organizacional, envolvendo o poder público, o setor produtivo e
representantes da sociedade civil, para a execução das possíveis medidas
a serem adotadas com base nas pesquisas.
“Não se deve esperar por uma catástrofe para usar o conhecimento
científico sobre as mudanças climáticas para formular políticas
públicas, mas agir de forma preventiva”, afirmou Roberto Greco, do
Instituto de Geociências da Unicamp e membro do projeto.
Durante o encontro, foram discutidas diferentes formas de
financiamento das propostas, além de ações para conscientizar e
sensibilizar a população para a urgência do tema. Uma das tônicas da
discussão foi justamente a necessidade de encontrar meios de garantir a
participação popular na questão.
Os participantes do encontro reforçaram o caráter público e
participativo das ações, que precisariam envolver toda a sociedade,
permitindo a atuação pública por meio da representação social, incluindo
pessoas físicas, no Conselho proposto em decreto pela atual gestão
municipal.
“Santos é precursora neste nível de informação no Brasil, e o projeto
só pode ser realizado com a ajuda da prefeitura no fornecimento das
informações e apoio técnico para utilização dos dados. Seria impossível
fazer um projeto como esse sem esse apoio”, afirmou Nunes.
De acordo com os pesquisadores, considerando não apenas a avaliação
do nível do mar mas também aspectos relacionados aos ventos e ao clima, é
a primeira vez que se faz um estudo desse tipo no Brasil, com uma clara
proposta de subsidiar políticas públicas e a tomada de decisão.
A próxima fase da pesquisa será a elaboração de comparativos entre
aspectos relacionados nas três cidades pesquisadas, a fim de trocar
informações que reforcem o caráter de urgência das medidas de adaptação.