Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Em um artigo publicado na seção de opinião do jornal norte-americano The New York Times,
em 19 de setembro, Nadine Unger, professora da Yale University, afirmou
serem fracas as evidências científicas sobre os benefícios
proporcionados pelo reflorestamento e pela redução do desmatamento na
mitigação das mudanças climáticas.
O texto causou forte reação na comunidade científica. No dia 22 de
setembro, um grupo formado por 31 pesquisadores – vários deles membros
do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da
Organização das Nações Unidas (ONU) – divulgou uma carta aberta na qual discordam veementemente das declarações feitas por Unger.
Uma versão resumida do texto foi publicada na seção de opinião do The New York Times no dia 23 de setembro, mesma data em que começou em Nova York a Cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Clima.
Na carta resposta, o grupo de cientistas contesta a afirmação de
Unger, de que estaria incorreta a “sabedoria convencional” segundo a
qual o plantio de árvores auxilia no combate ao aquecimento global. Na
avaliação dela, a medida poderia até mesmo agravar o problema climático.
De acordo com os cientistas, as florestas promovem um efeito de
resfriamento do clima porque armazenam vastas quantidades de carbono em
troncos, galhos, folhas e são capazes de manter esse elemento químico
fora da atmosfera enquanto permanecerem intactas e saudáveis.
Segundo o grupo, as florestas também resfriam a atmosfera porque
convertem a energia solar em vapor d’água, o que aumenta a refletividade
da radiação solar por meio da formação de nuvens, fato negligenciado no
trabalho de Unger. Concordam, em parte, com a afirmação da professora
de Química Atmosférica em Yale, de que “as cores escuras das árvores
absorvem maior quantidade de energia solar e aumentam a temperatura da
superfície terrestre".
Unger afirmou que plantar árvores nos trópicos poderia promover o resfriamento, mas em regiões mais frias causaria aquecimento.
“Ela (Unger) aponta corretamente que florestas refletem menos
energia solar do que a neve, as pedras, as pastagens ou o solo, mas
ignora o efeito das florestas de aumentar a refletividade do céu acima
da terra, por meio das nuvens. Esse efeito é maior nos trópicos”,
afirmaram os cientistas.
Unger disse não haver consenso científico em relação aos impactos da
mudança de uso da terra promovida pela expansão da agricultura e se o
desmatamento resultante teria contribuído para esfriar ou aquecer o
planeta.
“Não podemos prever com certeza que o reflorestamento em larga escala
ajudaria a controlar as temperaturas em elevação”, disse ela.
Argumentos semelhantes já haviam sido apresentados pela cientista em artigo publicado em agosto na Nature Climate Change.
Ainda segundo Unger, os compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla
em inglês) emitidos pelas árvores em resposta a estressores ambientais
interagem com poluentes oriundos da queima de combustíveis fósseis
aumentando a produção de gases-estufa como metano e ozônio.
Por último, a cientista de Yale afirmou que o carbono sequestrado
pelas árvores durante seu crescimento retorna à atmosfera quando elas
morrem e que o oxigênio produzido durante a fotossíntese é consumido
pela vegetação durante a respiração noturna. “A Amazônia é um sistema
fechado que consome seu próprio carbono e oxigênio”, argumentou.
Benefícios indiscutíveis
A carta resposta divulgada pelos cientistas ressalta que os próprios
estudos de Unger mostraram que qualquer potencial efeito de resfriamento
promovido pela redução das emissões de compostos orgânicos voláteis
resultante do corte de árvores seria superado pelo efeito de aquecimento
promovido pelas emissões de carbono causadas pelo desmatamento.
“Esta semana, as negociações das Nações Unidas sobre o clima abordam a
importância de dar continuidade aos esforços para frear a degradação
das florestas tropicais, que são uma contribuição essencial e barata
para a mitigação das mudanças climáticas. A base científica para essa
importante peça da solução do problema climático é sólida. Nós
discordamos fortemente da mensagem central da professora Unger.
Concordamos, no entanto, com a afirmação feita por ela de que as
florestas oferecem benefícios indiscutíveis para a biodiversidade”,
concluem os cientistas.
O grupo de autores é liderado por Daniel Nepstad, diretor executivo
do Earth Innovation Institute, dos Estados Unidos, um dos fundadores do
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e um dos autores do
quinto relatório divulgado pelo IPCC.
Também fazem parte do grupo Reynaldo Victoria, professor da
Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa
FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, e Paulo Artaxo,
professor da USP e um dos autores do quinto relatório do IPCC.
“O artigo divulgado por Unger na revista Nature Climate Change
tem erros elementares e não leva em conta aspectos fundamentais, como a
importância das florestas tropicais na formação de nuvens, que altera a
refletividade da superfície e também atua no controle do ciclo
hidrológico”, disse Artaxo à Agência FAPESP.
“Esse episódio mostra como a ciência, quando negligencia aspectos
importantes, pode ser muito prejudicial do ponto de vista de políticas
públicas. Reflorestamento e redução do desmatamento são umas das
melhores estratégias de redução dos efeitos do aquecimento global”,
afirmou.
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