Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Os modelos de estimativa de produtividade
agrícola utilizados hoje não conseguiram prever o rendimento da
cana-de-açúcar na safra dos canaviais paulistas este ano em razão de uma
das piores estiagens já registradas no Sudeste nas últimas décadas.
“Nem o mais pessimista dos cenários de condições climáticas
projetados pelos modelos matemáticos chegou perto do que aconteceu na
safra da cana-de-açúcar de São Paulo este ano”, disse Edgar Gomes
Ferreira de Beauclair, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz
de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), à Agência FAPESP.
“As projeções climáticas para a safra da cana-de-açúcar no estado
para este ano indicavam que haveria uma redução da disponibilidade
hídrica para a cultura agrícola de cerca de 10% em relação a 2013.
Tivemos, contudo, uma queda de mais de 50% de disponibilidade hídrica,
dando origem ao pior cenário climático para a cana-de-açúcar cultivada
em São Paulo observado nos últimos anos, com muito calor e pouca
umidade”, avaliou.
No entanto, um modelo matemático de estimativa do potencial
rendimento da cana-de-açúcar baseado em parâmetros climáticos –
desenvolvido pelo pesquisador em colaboração com colegas do Centro de
Tecnologia Canavieira (CTC) – conseguiu estimar a produtividade final da
planta cultivada em São Paulo na safra atual com índice de acerto de
mais de 90%.
Criado no âmbito de um projeto realizado com apoio
da FAPESP, o modelo foi apresentado por Beauclair no 2nd Brazilian
BioEnergy Science and Technology Conference (BBEST), que ocorreu de 20 a
24 de outubro em Campos do Jordão (SP).
“A previsão da produtividade final da cana-de-açúcar para a safra de
São Paulo este ano era de 65 toneladas por hectare, em função do déficit
hídrico”, disse Beauclair. “O modelo matemático que desenvolvemos
conseguiu chegar muito perto dessa estimativa, apontando que a
produtividade da planta no estado este ano seria entre 60 e 65 toneladas
por hectare”, contou.
De acordo com o professor, o modelo começou a ser desenvolvido no
início da década de 1980, quando era pesquisador do Centro de Tecnologia
da Copersucar – atual CTC.
O objetivo, na época, era desenvolver um modelo de otimização de
safra da cana-de-açúcar. A versão inicial do projeto, entretanto,
esbarrava na falta de confiança dos cenários climáticos projetados.
“O modelo matemático desenvolvido na época teve o mérito de ser um
dos pioneiros no Brasil, mas carecia de projeções mais confiáveis. Por
isso, começamos a buscar um modelo mais crível de previsão para a
formação de cenários de produção de cana”, afirmou.
Por meio da pesquisa de doutorado de Maximiliano Salles Scarpari,
feita entre 2004 e 2006 e orientada por Beauclair, os pesquisadores
chegaram a um modelo de previsão da maturação da cana-de-açúcar da
espécie Saccharum spp. com até três meses de antecedência.
Nos últimos anos, com o projeto “Contribuição de produção de bioenergia pela América Latina, Caribe e África ao projeto GSB-Lacaf-Cana-I”,
o modelo matemático foi aprimorado e passou a ser capaz de prever a
produtividade de um canavial por hectare durante uma determinada safra.
Para fazer essas estimativas, o modelo se baseia em dados da
produtividade do canavial na safra anterior e em indicadores de radiação
solar e de déficit hídrico para a safra atual, obtidos a partir de
previsões meteorológicas e de balanço hidrológico feitas pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para diferentes regiões do país.
“Quanto maior a radiação solar e menor o déficit hídrico durante uma
safra, maior será a produtividade da cana-de-açúcar plantada”, disse
Beauclair.
“Com base nesses dois indicadores – que são cruciais para a cana –, o
modelo consegue prever a produtividade de um canavial tanto em pequena
como em larga escala”, afirmou.
Testes de projeções
De acordo com Beauclair, o modelo foi testado para estimar a
produtividade de um canavial com 2 mil hectares na região de
Pirassununga, no interior de São Paulo, durante as safras dos últimos
cinco anos.
No teste, foram levantados dados de maturação, idade do canavial,
solo, variedades de cana utilizada, florescimento da planta e aplicação
de maturadores, além do tipo de manejo adotado.
“Essas variáveis são relativamente fáceis de ser avaliadas e,
combinadas com dados climáticos, podem dar uma boa perspectiva do que
vai acontecer”, disse Beauclair.
“Os modelos existentes hoje solicitam muitas variáveis, como a taxa
de fotossíntese de um canavial, que é difícil de um produtor obter para
realizar o planejamento de uma lavoura. Nosso modelo utiliza variáveis
mais simples”, comparou.
Com técnicas de pesquisa de programação linear – em que as
alternativas de aumento da produção em diferentes cenários climáticos
são comparadas e testadas por recursos matemáticos e computacionais –, o
modelo possibilitou planejar o manejo da lavoura para atingir os
objetivos de produção, mantendo os mesmos parâmetros de variedade de
cana e maturadores utilizados na safra anterior.
“Uma premissa do modelo desenvolvido é que, quanto mais dados do
sistema de produção de uma área analisada e quanto menor a alteração dos
parâmetros de uma safra para a outra, maior será a precisão da
estimativa.”
“Considerando que os parâmetros de produção dos canaviais de São
Paulo seguidos na safra atual não mudarão na próxima, é possível prever a
produtividade da cana no estado com relativa precisão”, afirmou.
O modelo está sendo utilizado agora no âmbito do projeto Bioenergy
Contribution of Latin America & Caribbean and Africa to the Global
Sustainable Bioenergy Project (Lacaf-Cana), apoiado pela FAPESP no
âmbito do Programa de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), para realizar a previsão de produção de cana-de-açúcar em Moçambique e Colômbia.
Iniciado em 2013, o projeto
tem o objetivo de analisar as possibilidades de produção de etanol de
cana-de-açúcar nesses dois países e também na Guatemala e na África do
Sul.
“As condições climáticas e de solo de Moçambique e da Colômbia são muito diferentes das do Brasil”, avaliou Beauclair.
“Em Moçambique, o regime hídrico e climático são semelhantes ao do
Cerrado brasileiro; o país precisará de irrigação para cultivar cana. Já
a Colômbia tem uma outra condição hídrica, com situações de
encharcamento, muitas vezes”, comparou.
De acordo com o pesquisador, o modelo faz projeções de diferentes
cenários climáticos, sendo um primeiro mais otimista, o segundo
intermediário e o terceiro mais pessimista.
A ideia, segundo ele, é que o modelo seja disponibilizado
publicamente e possa ser adaptado a outras plantas usadas na produção de
biocombustíveis, que não somente a cana-de-açúcar.
“Em princípio, o modelo pode ser adaptado para fazer estimativas de produção de qualquer cultura de biomassa”, afirmou.
O artigo Physiological model to estimate the maturity of sugarcane (doi: 10.1590/S0103-90162009000500006), de Scarpari e Beauclair, pode ser lido na revista Scientia Agricola em www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-90162009000500006.
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