Por Fabio Reynol
Agência FAPESP – As zonas costeiras costumam sofrer alterações
provocadas por elementos naturais, como elevação do nível do mar e o
regime de ondas a que são submetidas. Com as mudanças climáticas, os
elementos naturais que influenciam nas alterações das praias, chamados
de condições forçantes, devem se intensificar e modificar o desenho das
terras costeiras.
Pesquisa conduzida em São Paulo e Pernambuco, que investigou os
impactos sofridos por quatro praias nos dois estados, concluiu, no
entanto, que os efeitos da ação humana podem ser ainda mais fortes do
que os da natureza.
Executado com apoio da FAPESP e da Fundação de Amparo à Ciência e
Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), o trabalho é resultado de
uma chamada de propostas lançada no âmbito de um acordo de cooperação
entre as instituições.
A pesquisa “Vulnerabilidade
da zona costeira dos estados de São Paulo e Pernambuco: situação atual e
projeções para cenários de mudanças climáticas” durou três
anos, período em que foram estudadas as praias paulistas de Ilha
Comprida, no município de mesmo nome, e de Massaguaçu, em Caraguatatuba,
e as pernambucanas praia da Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, e
praia do Paiva, em Cabo de Santo Agostinho.
“Escolhemos praias com características diferentes para fazer as
comparações. Massaguaçu, no litoral norte paulista, e Jaboatão, na
região metropolitana do Recife, são praias urbanas, enquanto Ilha
Comprida e Paiva ficam em regiões menos habitadas”, disse o coordenador
do projeto, Eduardo Siegle, professor do Instituto Oceanográfico da
Universidade de São Paulo (IO/USP), que dividiu a liderança dos
trabalhos com a professora Tereza Araújo, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
A pesquisa analisou como as mudanças climáticas globais provocam
alterações na costa. Uma das condições forçantes é o clima de ondas.
Segundo Siegle, as mudanças climáticas provocam alterações nos regimes
de ventos, principais influenciadores na formação das ondas. Com direção
e força alteradas, as ondas podem redesenhar o contorno das praias,
refazendo sua morfologia.
“As ondas redefinem os depósitos de sedimentos e as praias atingem um
equilíbrio dinâmico mediante as condições a que estão sujeitas; pode
ocorrer erosão em alguns pontos e deposição de material em outros”,
disse Siegle, acrescentando que uma praia pode encolher, mudar de
formato e até aumentar de tamanho.
Outro fator decorrente das mudanças climáticas é a elevação do nível
do mar, que leva as ondas a ter maior alcance e atingir novos pontos da
costa. Essa condição costuma aumentar erosões e provocar inundações de
áreas próximas à costa.
Um ponto confirmado pelos resultados obtidos foi o fato de que, em
algumas regiões, as ações antrópicas no litoral exerceram mais
influência nessas alterações que as forças da natureza. “Acompanhamos
imagens de décadas. Nesse período, os impactos de uma ocupação mal feita
do litoral podem ser muito maiores do que aqueles provocados por
mudanças climáticas”, disse.
Processos de urbanização que impermeabilizam áreas praianas
necessárias ao movimento de sedimentos, por exemplo, costumam provocar
erosões de forma mais acentuada. No estudo, a ação humana figurou entre
os principais influenciadores da vulnerabilidade costeira.
Observação dos processos costeiros
O trabalho também se debruçou sobre as mudanças históricas nas
condições forçantes naturais. Para isso, a equipe lançou mão de modelos
computacionais que simularam essas forças e seus efeitos ao longo das
últimas décadas. Outro método de investigação foi a coleta de dados em
campo. Os pesquisadores fizeram levantamentos morfológicos, que analisam
o formato das praias e mediram parâmetros de suas ondas.
A medição de variáveis físicas na região costeira exigiu a aplicação
de métodos inovadores para colocar instrumentos nas zonas de
arrebentação, relatou Siegle. A equipe acoplou um perfilador acústico de
correntes marinhas Doppler (ADCP) em uma moto aquática com um trenó.
O equipamento fornece parâmetros como velocidade das correntes na
coluna d’água, altura, direção e período das ondas. A moto aquática foi
usada para levantamentos batimétricos e hidrodinâmicos em áreas rasas
sujeitas à arrebentação de ondas, nas quais embarcações convencionais
não conseguem navegar.
Uma série de imagens aéreas registradas ao longo de aproximadamente
40 anos foi outra importante fonte de dados para a pesquisa. Foram
acessados arquivos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e
do próprio Instituto Oceanográfico da USP. Por meio de pontos
georreferenciados marcados sobre as imagens, foi possível acompanhar as
alterações na faixa costeira ao longo do tempo.
Com os dados coletados pelos diferentes métodos, o grupo estabeleceu
nove indicadores de vulnerabilidade: posição da linha de costa, largura
da praia, elevação do terreno, obras de engenharia costeira,
permeabilidade do solo, vegetação, presença de rios ou desembocaduras,
taxa de ocupação e configurações ao largo. Este último diz respeito à
área de mar aberto adjacente à região costeira em estudo.
Sistemas praiais mais largos tendem a ser mais estáveis que faixas
estreitas, portanto menos vulneráveis. A presença de vegetação bem
desenvolvida na zona pós-praia sugere um cenário de baixa erosão e rara
intrusão de água salina.
A vulnerabilidade à inundação pode ser estimada, entre outros
fatores, pela permeabilidade do solo. Quanto menos permeável for o solo,
mais sujeita à inundação será a área. E por alterar simultaneamente
vários desses fatores, a taxa de ocupação da costa é um dos mais
preponderantes indicadores de vulnerabilidade de uma área costeira.
Os indicadores foram depois tabulados e classificados de acordo com
três graus de vulnerabilidade: alta, média ou baixa, para cada ano
analisado. Registrou-se a evolução da vulnerabilidade de cada praia
estudada e os pesquisadores chegaram a várias conclusões.
“Entre elas eu destacaria a importância da ocupação humana no litoral
na elevação da vulnerabilidade da praia”, disse Siegle. As praias
urbanas nos dois estados apresentaram situação de vulnerabilidade maior
que aquelas com taxa de ocupação menor.
A aplicação desse método foi detalhada na tese de doutorado de Paulo
Henrique Gomes de Oliveira Sousa, intitulada “Vulnerabilidade à erosão
costeira no litoral de São Paulo: interação entre processos costeiros e
atividades antrópicas”, defendida em 2013 no Programa de Pós-Graduação
em Oceanografia do IOUSP.
O projeto de pesquisa resultou em cinco trabalhos de iniciação
científica, quatro dissertações de mestrado e duas teses de doutorado,
uma com bolsa FAPESP – Cássia Pianca Barroso desenvolveu o trabalho “Uso de imagens de vídeo para a extração de variáveis costeiras: processos de curto a médio termo”.
De acordo com Siegle, vários artigos estão em fase de redação e quatro já foram publicados, entre eles Evolução da vulnerabilidade à erosão costeira na Praia de Massaguaçú (SP), Brasil no Journal of Integrated Coastal Management e Vulnerability assessment of Massaguaçú Beach (SE Brazil) na Ocean & Coastal Management.
Parceria São Paulo-Pernambuco
Além dos resultados científicos, o projeto apresentou como fruto a
aproximação entre instituições de pesquisa paulistas e pernambucanas. “A
interação foi muito grande e pesquisadores pernambucanos participaram
das pesquisas em campo em São Paulo e vice-versa”, contou Siegle.
A aproximação dos grupos levou a outro trabalho conjunto FAPESP-FACEPE, o projeto “Suscetibilidade
e resistência de sistemas estuarinos urbanos a mudanças globais:
balanço hidro-sedimentar, elevação do nível do mar, resposta a eventos
extremos”, coordenado pelos professores Carlos Schettini (UFPE) e Rubens Cesar Lopes Ferreira (IO/USP).
A execução do projeto coordenado por Siegle e Tereza Araújo ainda
levou à formação do Grupo de Trabalho “Respostas da Linha de Costa” que
incorpora o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Ambientes
Tropicais Marinhos (AmbTropic) , sediado no Instituto de Geociências da
Universidade Federal da Bahia e apoiado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb).
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