Por Diego Freire
Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal Fluminense (UFF)
construíram dois telescópios que vão funcionar de forma sincronizada na
detecção contínua de partículas derivadas da radiação do Sol para
investigar possíveis relações entre os ciclos solares e as variações
climáticas da Terra.
O trabalho é resultado da pesquisa “Detecção e estudo de eventos solares transientes e variação climática”, realizada no âmbito de um acordo de cooperação
entre a FAPESP e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj) que tem como objetivo apoiar projetos
cooperativos e intercâmbio de pesquisadores e estudantes em áreas
ligadas às mudanças climáticas globais.
De acordo com o coordenador da pesquisa na Unicamp, Anderson Campos
Fauth, professor associado do Instituto de Física Gleb Wataghin, já se
sabe que os ciclos solares e suas flutuações apresentam alguma relação
com a intensidade com que os raios cósmicos atingem a Terra, apesar de
não serem considerados uma das principais causas das mudanças climáticas
globais.
“Não existe um consenso sobre o mecanismo que relaciona a atividade
solar e as mudanças climáticas. Há uma hipótese de que o aumento do
fluxo de raios cósmicos pode estar associado ao surgimento de nuvens
baixas, que globalmente exercem um efeito de resfriamento e, nas regiões
polares, onde a incidência da radiação solar é baixa, têm impacto
contrário, provocando aquecimento”, disse.
Fauth explica que cientistas têm observado que certos fenômenos
climáticos – oceanos mais quentes, maior quantidade de chuvas tropicais,
menos nuvens subtropicais, circulação mais intensa de ventos – parecem
estar em parte associados ao ciclo de atividade solar, que dura em média
11 anos.
“Entretanto, esses estudos estão em fase inicial e é necessário fazer
novas observações das radiações emitidas pelo Sol, principalmente
quando surgem atividades como as explosões solares, e monitorar suas
variações sazonais”, ponderou.
Diante disso, o trabalho da Unicamp e da UFF com os telescópios foca
em um dos sinais do ciclo solar: a presença e o comportamento das
partículas múons na atmosfera terrestre.
O múon é a mais abundante partícula com carga elétrica presente na
superfície da Terra, representando cerca de 80% dos raios cósmicos com
carga elétrica em altitudes próximas ao nível do mar. A cada segundo
surgem, aproximadamente, 140 múons por metro quadrado.
O fato de a partícula quase sempre possuir trajetória retilínea
facilita sua detecção com um arranjo de poucos detectores. “Essas
partículas permitem estudar os eventos solares em uma região de energia
que os satélites e os monitores de nêutrons posicionados na superfície
terrestre não observam”, explicou Fauth.
O ano de 2014 é propício à detecção de múons pelos telescópios da
Unicamp e da UFF. Ao longo deste período, o ciclo atual do Sol atinge
sua máxima atividade: o número de manchas solares observadas aumenta
consideravelmente e os flares – explosões que ocorrem na
superfície do Sol – irrompem com grande intensidade, libertando milhões
de toneladas de gás magnetizado.
Além disso, Campinas e Niterói, onde os telescópios estão instalados,
têm localização privilegiada para a detecção de partículas derivadas da
radiação solar, pois estão próximas à região central da Anomalia
Magnética do Atlântico Sul (SAA, da sigla em inglês), onde a resistência
magnética para entrada de partículas carregadas vindas do espaço é
muito baixa.
A maioria dos detectores de partículas solares energéticas está
instalada próximo às regiões dos polos porque, nas outras regiões, o
campo magnético da Terra desvia as partículas carregadas. Mas na região
da SAA há uma intensidade magnética muito inferior, uma espécie de
buraco na magnetosfera que se comporta como um funil.
Muonca
O telescópio construído na Unicamp, que recebeu o nome Muonca,
iniciou em abril a tomada de dados contínua, utilizando quatro
detectores de partículas. Os detectores da UFF entraram em funcionamento
em junho, no modo monitor – quando se realiza a contagem dos múons, sem
determinar ainda sua direção de chegada.
O Muonca utiliza quatro detectores de partículas idênticos. A
partícula múon, ao atravessar o cintilador do detector, produz uma luz
que permite o registro de sua passagem. Um computador é utilizado no
sistema de aquisição de dados, e as informações brutas são registradas
em arquivos diários.
O telescópio da Unicamp foi construído em dois anos, incluindo o
tempo para os processos de importação, realização dos projetos, desenhos
técnicos das peças, execução por técnicos da universidade e de empresas
privadas, montagem por membros do grupo de pesquisa, desenvolvimento do
software de aquisição de dados e calibração dos detectores, além da
programação dos códigos de análise dos dados.
O experimento opera continuamente, 24 horas por dia, e os
pesquisadores desenvolvem agora um sistema que alerte por e-mail e SMS
quando ocorrer algum problema ou possível evento solar na aquisição dos
dados.
Recentemente, os detectores instalados em Campinas e Niterói
registraram simultaneamente uma tempestade geomagnética. De acordo com
Fauth, os dados estão sendo avaliados para publicação e os primeiros
resultados conjuntos dos dois telescópios serão apresentados em setembro
no 34º Encontro Nacional de Física de Partículas e Campos, organizado
pela Sociedade Brasileira de Física em Caxambu (MG).
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