Por José Tadeu Arantes
Agência FAPESP – Uma pesquisa conduzida por cientistas no
Brasil e no Reino Unido quantificou o impacto causado na Floresta
Amazônica por corte seletivo de árvores, destruição parcial pelo fogo e
fragmentação decorrente de pastagens e plantações. Em conjunto, esses
fatores podem estar subtraindo da floresta cerca de 54 milhões de
toneladas de carbono por ano, lançados à atmosfera na forma de gases de
efeito estufa. Esta perda de carbono corresponde a 40% daquela causada
pelo desmatamento total.
O estudo, desenvolvido por 10 pesquisadores de 11 instituições do Brasil e do Reino Unido, foi publicado em maio na revista Global Change Biology.
“Os impactos da extração madeireira, do fogo e da fragmentação têm
sido pouco percebidos, pois todos os esforços estão concentrados em
evitar mais desmatamento. Essa postura deu grandes resultados na
conservação da Amazônia brasileira, cuja taxa de desmatamento caiu em
mais de 70% nos últimos 10 anos. No entanto, nosso estudo mostrou que
esse outro tipo de degradação impacta severamente a floresta, com
enormes quantidades de carbono antes armazenadas sendo perdidas para a
atmosfera”, disse a brasileira Erika Berenguer, pesquisadora do
Lancaster Environment Centre, da Lancaster University, no Reino Unido,
primeira autora do estudo.
Segundo Joice Ferreira, pesquisadora da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa Amazônia Oriental), em Belém (PA), e
segunda autora do estudo, um dos motivos dessa degradação ser menos
percebida é a dificuldade de monitoramento. “As imagens de satélite
permitem detectar com muito mais facilidade as áreas totalmente
desmatadas”, afirmou.
“Nossa pesquisa combinou imagens de satélite com estudo de campo. Fizemos uma avaliação, pixel a pixel [cada pixel na imagem corresponde a uma área de 900 metros quadrados],
sobre o que aconteceu nos últimos 20 anos. Na pesquisa de campo,
estudamos 225 parcelas (de 3 mil metros quadrados cada) em duas grandes
regiões, com 3 milhões de hectares [30 mil quilômetros quadrados], utilizadas como modelo para estimar o que ocorre no conjunto da Amazônia”, explicou Ferreira.
As imagens de satélite, comparadas de dois em dois anos,
possibilitaram que os pesquisadores construíssem um grande painel da
degradação da floresta ao longo da linha do tempo, em uma escala de 20
anos. Na pesquisa de campo foram avaliadas as cicatrizes de fogo, de
exploração madeireira e outras agressões. A combinação das duas
investigações resultou na estimativa de estoque de carbono que se tem
hoje.
Duas regiões foram estudadas in loco: Santarém e Paragominas,
na porção leste da Amazônia, ambas submetidas a fortes pressões de
degradação. Nessas duas regiões foram investigadas as 225 áreas.
“Coletamos dados de mais de 70 mil árvores e de mais de 5 mil
amostras de solo, madeira morta e outros componentes dos chamados
estoques de carbono. Foi o maior estudo já realizado até o momento sobre
a perda de carbono de florestas tropicais devido à extração de madeira e
fogos acidentais”, disse Ferreira.
Segundo ela, a pesquisa contemplou quatro dos cinco compartimentos de
carbono cujo estudo é recomendado pelo Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das
Nações Unidas (ONU): biomassa acima do solo (plantas vivas), matéria
orgânica morta, serapilheira (camada que mistura fragmentos de folhas,
galhos e outros materiais orgânicos em decomposição) e solos (até 30
centímetros de profundidade). “Só não medimos o estoque de carbono nas
raízes”, disse.
Para efeito de comparação, foram consideradas cinco categorias de
florestas: primária (totalmente intacta); com exploração de madeira;
queimada; com exploração de madeira e queimada; e secundária (aquela que
foi completamente cortada e cresceu novamente).
As florestas que sofreram perturbação, por corte ou queimada,
apresentaram de 18% a 57% menos carbono do que as florestas primárias.
Uma área de floresta primária chegou a ter mais de 300 toneladas de
carbono por hectare, enquanto as áreas de floresta queimada e explorada
para madeira tiveram, no máximo, 200 toneladas por hectare, e, em média,
menos de 100 toneladas de carbono por hectare.
Corte seletivo tradicional
O roteiro da degradação foi bem estabelecido pelos pesquisadores. O
ponto de partida é, frequentemente, a extração de madeiras de alto valor
comercial, como o mogno e o ipê; essas árvores são cortadas de forma
seletiva, mas sua retirada impacta dezenas de árvores vizinhas.
Deflagrada a exploração, formam-se várias aberturas na cobertura
vegetal, o que torna a floresta muito mais exposta ao sol e ao vento, e,
portanto, muito mais seca e suscetível à propagação de fogos
acidentais. O efeito é fortemente acentuado pela fragmentação da
floresta em decorrência de pastagens e plantações.
A combinação dos efeitos pode, então, transformar a floresta em um
mato denso, cheio de árvores e cipós de pequeno porte, mas com um
estoque de carbono 40% menor do que o da floresta não perturbada.
“Existem, hoje, vários sistemas de corte seletivo, alguns um pouco
menos impactantes do que outros. O sistema predominante, que foi aquele
detectado em nosso estudo, associado ao diâmetro das árvores retiradas e
à sua idade, pode subtrair da floresta uma enorme quantidade de
carbono”, disse Plínio Barbosa de Camargo,
diretor da Divisão de Funcionamento de Ecossistemas Tropicais do Centro
de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo
(USP) e membro da coordenação da área de Biologia da FAPESP, que também
assinou o artigo publicado na Global Change Biology.
“Por mais que recomendemos no sentido contrário, na hora do manejo
efetivo acabam sendo retiradas as árvores com diâmetros muito grandes,
em menor quantidade. Em outra pesquisa, medimos a idade das árvores com
carbono 14. Uma árvore cujo tronco apresente o diâmetro de um metro com
certeza tem mais de 300 ou 400 anos. Não adianta retirar essa árvore e
imaginar que ela possa ser substituída em 30, 40 ou 50 anos”, comentou
Camargo.
A degradação em curso torna-se ainda mais preocupante no contexto da
mudança climática global. “O próximo passo é entender melhor como essas
florestas degradadas responderão a outras formas de distúrbios causados
pelo homem, como períodos de seca mais severos e estações de chuva com
maiores níveis de precipitação devido às mudanças climáticas”, afirmou o
pesquisador britânico Jos Barlow, da Lancaster University, um dos
coordenadores desse estudo e um dos responsáveis pelo Projeto Temático ECOFOR: Biodiversidade e funcionamento de ecossistemas em áreas alteradas pelo homem nas Florestas Amazônica e Atlântica.
Além dos pesquisadores já citados, assinaram também o artigo da Global Change Biology Toby Alan Gardner (University of Cambridge e Stockholm Environment Institute), Carlos Eduardo Cerri e Mariana Durigan (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP), Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e University of Exeter),
Raimundo Cosme de Oliveira Junior (Embrapa Amazônia Oriental) e Ima
Célia Guimarães Vieira (Museu Paraense Emílio Goeldi).
O artigo A large-scale field assessment of carbon stocks in human-modified tropical forests (doi: 10.1111/gcb.12627), de Erika Berenguer e outros, pode ser lido em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.12627/full.
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