Diante dos chamados fenômenos climáticos extremos, já ficou entendido
que, se é impossível evitá-los, o melhor a fazer é tomar medidas de
precaução. É óbvio, mas não se aplica às secas no Nordeste. Mesmo que o
conhecimento humano na meteorologia tenha avançado bastante, e seja
possível fazer previsões com grande antecedência, a cíclica falta de
chuvas na região parece sempre apanhar governos de surpresa.
Deve-se
reconhecer que a atual seca, considerada a pior dos últimos 50 anos,
demonstra grande poder de destruição de plantações e rebanhos. Mas ela
já constava há tempos dos mapas de previsão dos especialistas.
Não
surpreende que o aparato burocrático criado para tratar de questões
como esta se mostre lento, incapaz de formular e executar projetos no
ritmo exigido pelos problemas. É uma característica do Estado. E quando
formula, não executa.
O exemplo gritante é o projeto de transposição de águas do Rio São
Francisco para irrigar o agreste. Discutido já na monarquia, na corte de
D. Pedro II, o empreendimento sempre foi centro de intenso conflito
político regional, até que, no segundo governo Lula, com Ciro Gomes no
Ministério da Integração Nacional, o que estava nas pranchetas começou a
se tornar realidade. Não por muito tempo. Mesmo com a participação de
destacamentos de engenharia do Exército, frentes de trabalho foram
paralisadas por falta de pagamento. Canais já construídos se
deterioraram. Perda de tempo e dinheiro.
Em Brasília, gosta-se
muito de falar em “obras estruturantes”. Pois esta é uma, e não recebeu a
prioridade merecida. Venceu a tradição de se gastar mais na atenuação
dos efeitos da seca — carros-pipa, Bolsa Estiagem etc. — do que em
projetos de largo alcance. (Também é assim na Serra Fluminense.)
Levantamento
da ONG Contas Abertas constatou que, no ano passado, o programa Oferta
de Água, do qual constam a construção de barragens, adutoras e a
transposição do São Francisco, aparecia no Orçamento com uma dotação de
R$ 3,4 bilhões. Porém, foi empenhado apenas R$ 1,9 bilhão, e gastos, de
fato, R$ 406,9 milhões.
Quer dizer, obras para reter e transportar
água no atacado ficam em segundo plano, enquanto o varejo dos
carros-pipa deslocados para encher cisternas de quintal, entre outras
ações fáceis de serem capitalizadas pelo coronelismo político, leva a
parte do leão do dinheiro público.
A esta altura, não resta mesmo
muito mais a fazer além de assistir as pessoas. Mas esta seca deveria
servir de marco zero no enfrentamento da questão. Já existe conhecimento
suficiente para se formular um programa sério, com metas de curto,
médio e longo prazos, para enfrentar a seca. Teria, porém, de ser um
projeto de Estado, não só de governos.
Fonte: o Globo (Editorial), via blog do Noblat
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