Na próxima segunda-feira(29), a cidade de Luís Gomes (452 de quilômetros
de Natal) completa um ano sem água nas torneiras e bate um triste
recorde no Estado.
O colapso no sistema de abastecimento teve
início em outubro de 2011 quando secou o açude Dona Lulu Pinto,
principal manancial do município, deixando toda a população à mercê de
carros-pipa. A partir daí, deu-se início a uma corrida desesperada por
água potável que gerou filas e bate bocas durante meses.
Só
para se ter uma idéia, nos últimos 12 meses, os governos Federal,
estadual e municipal disponibilizam juntos cerca de 300 mil litros de
água tratada por dia para atender à demanda da cidade. Sem contar com os
carros particulares que abastecem as residências por um preço médio de
R$ 20,00, uma caixa com mil litros.
Todo esse líquido é
transportado em caminhões-pipa que viajam mais de 100 km -- entre ida e
volta -- e circulam dia e noite distribuindo em diversos pontos os
milhares de litros para suprir a necessidade dos mais de 2 mil lares.
Atualmente
as cisternas comunitárias estão com o abastecimento regular. As filas,
que antes geravam confusões, estão mais controladas e mais educadas.
Passado
os momentos mais críticos, aqueles em que toda água chegada era pouca e
parecia não render nas caixas, moradores das zonas urbana e rural
convivem e se adaptam naturalmente a um dos mais longos períodos de
estiagem que a serra de Luís Gomes já viu.
Adaptação
Ser
breve ao tomar um banho e reutilizar o mesmo líquido no vaso sanitário,
são apenas duas das várias formas de economizar que o povo serrano
aprendeu nos últimos 365 dias e, é também, uma prova de que o homem é um
produto do meio em que vive.
O crescente agravamento da falta
de água em Luís Gomes não só mostrou que o homem pode se adequar ao meio
em que vive como levou as pessoas a estabelecer normas próprias para
economizar e mudar seus hábitos com relação ao consumo racional da água.
O costume de lavar carros e calçadas, deixar caixas
transbordando por toda a noite e o desperdício de água de uma forma
geral, práticas comuns nos tempos de abundância, já não são mais vistos
nos dias atuais.
Vegetação sofre em razão do calor e do tempo seco
Apesar
do clima ameno que a chapada da serra oferece durante o ano inteiro, a
jardinagem urbana vem sofrendo com a carência de líquido. O verde, que
antes predominava nos canteiros e nas praças, vem perdendo espaço para o
cinza característico da caatinga nordestina.
Leiras de
hortaliças, plantas ornamentais e fruteiras localizadas em chácaras e
quintais de casas, já foram reduzidas pela metade por falta do precioso
líquido em suas raízes.
Agricultura e economia de subsistência em queda livre
As
roças de milho e feijão, cultivos tradicionais na região do semi-árido
nordestino, não resistiram à falta de chuva e ao calor excessivo e o
prejuízo nesse tipo de plantação ficou acima dos 85%. Em contrapartida,
os agricultores foram contemplados com o Seguro Safra, programa do
Governo Federal que é acionado quando ultrapassa os 50% de perca na
lavoura.
Fonte de fartura no município, os cajueiros, que devido à
grande quantidade de árvores não podem ser regados manualmente, sofrem
com o tempo seco e registram a menor produção de castanha-de-caju dos
últimos 20 anos.
A confecção do doce caseiro também foi afetada
pela falta de chuva, que esse ano teve um acumulado de apenas 424mm,
divido em pequenas precipitações.
Produzidas a partir da
mandioca, um tubérculo que se adaptou ao solo e ao clima serrano, a
fabricação de goma e de farinha está em declínio devido à aridez que vem
mudando a paisagem dessa região do Rio Grande do Norte.
A fabricação artesanal da rapadura,
um subproduto da cana-de-açúcar, teve queda superior a 90% por causa da
seca. Segundo os donos de engenhos, as moagens não chegaram a 10% se
comparadas há anos anteriores, e alguns produtores estão transformando
os poucos canaviais que restam em ração animal para suavizar a fome do
rebanho.
Já as pinheiras, outra fonte econômica do município e
que já foram sinônimos de fortuna nas décadas de 70, 80 e 90, estão
quase dizimadas por conseqüência das doenças, das pragas e das
freqüentes estiagens que vêm transformando os campos em uma verdadeira
Mata Branca.
Pecuária
Embora não seja um município
de grandes criações, a seca e falta d’água já deu sua parcela de
contribuição para diminuir ainda mais a quantidade de gado, ovelhas,
porcos e galinhas em todo território Luís-gomense.
Por ausência
de pasto, alimento básico para sustentar as cabeças de gado, o preço da
carne de boi chegou a ser vendida a um preço de R$ 9.00, o quilo. Sem a
oferta de animais gordos ou magros, o preço voltou a subir e já não se
acha mais bois para suprirem a demanda dos frigoríficos locais.
O
leite e o queijo coalho, que costumam desaparecer em tempos de
escassez, estão cada vez mais difíceis e o pouco que têm no comércio
sofrem aumentos periodicamente devido ao preço do resíduo, um tipo de
ração animal que custa cerca de R$ 50,00 um saco com 50 kg.
Como
não teve produção de milho, a criação de galinha caipira ficou
praticamente impossível e muitos já desistiram de criar e reproduzir as
aves no quintal de casa. Os ovos, que eram fontes de alimento e ainda
davam um reforço nas finanças dos criadores, encontra-se com a produção
reduzida em mais de 80%.
Turismo, fauna e flora
No
turismo a seca deixa sua marca. Os pontos turísticos Mirante da Serra e
Mirante do Rela, amargam quedas significantes devido ao tempo de
escassez hídrica.
No caso do Mirante da Serra, que depende de
muita água para alimentar as duas grandes piscinas, o local está
operando só a parte de bar. A vegetação acinzentada também tem deixado o
ambiente com a cor da caatinga brasileira.
Já o Rela, que
depende exclusivamente de água para sustentar o leito do riacho e suas
cachoeiras e, ainda, manter a vegetação sempre verde, perdeu cerca de
90% dos turistas e visitantes por causa da estiagem.
Os
macacos-prego, que são nativos do lugar, quase não são mais vistos
pulando de galho em galho. A procura de alimentos, alguns deles já foram
avistados nas proximidades do Conjunto Sol Nascente, zona periférica da
cidade.
Solução
Ao completar 100 dias sem água
nas torneiras e devido aos transtornos causados pelo desabastecimento, o
MP (Ministério Público) elaborou uma ação civil pública com pedido de
tutela antecipada e deu o prazo de seis meses para que a Caern
resolvesse o problema em definitivo permitindo a retomada de forma
contínua do fornecimento de água nas torneiras.
Na mesma época, os moradores bloquearam a BR 405
por duas horas, na altura do distrito de Placas, para pedir uma solução
imediata para o problema da falta d’água em Luís Gomes.
Paralela
à ação de distribuição e para atender aos pedidos do MP e, ainda, aos
manifestos populares, uma força tarefa realizada através da
Semarh(Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos),
aumentou a quantidade de carros-pipas, de reservatórios e perfurou
vários poços artesianos -- alguns com boa vazão -- para tentar sanar a
situação de penúria que vem eliminando as pequenas plantações situadas
nas zonas urbana e rural do município. No entanto, os poços continuam
inoperantes à espera de bombas, canos e cataventos.
Já os trabalhos de conclusão da Adutora Alto Oeste, que estiveram parados por dois anos, foram retomados no início de junho passado.
Os
serviços recomeçaram entre as cidades de Rafael Fernandes e José da
Penha, trecho que se encontra quase pronto e que possibilitará a chegada
da água até o município de Luís Gomes.
De acordo com o
secretário do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos, Gilberto Jales, que
no último mês de setembro visitou o canteiro de obras juntamente com o
diretor-presidente da Caern, Yuri Tasso, a cidade de Luís Gomes e outras
que compõem o sistema adutor Alto Oeste receberão água até o final
deste ano.
Jales informou ainda que os dois sistemas, Santa Cruz
e Pau dos Ferros -- que somam 320 quilômetros de adutora --
beneficiarão mais 200 mil pessoas.
Com a água da barragem de
Santa Cruz, serão beneficiadas as cidades de Itaú, Rodolfo Fernandes,
Tabuleiro Grande, Riacho da Cruz, Umarizal, Olho D’água dos Borges,
Lucrécia, Frutuoso Gomes, Antônio Martins e João Dias.
O açude
de Pau dos Ferros, beneficiará as cidades de Luís Gomes, São Francisco
do Oeste, Rafael Fernandes, Marcelino Vieira, Pilões, Alexandria,
Tenente Ananias, Riacho de Santana, Água Nova, José da Penha, Major
Sales, Paraná e Pau dos Ferros. Alguns testes já foram realizados no
trecho entre Rafael e Riacho de Santana.
Túnel do Tempo
A
cidade de Luís Gomes teve acesso à água encanada no ano de 1981. Antes,
todo o município era abastecido por animais que sobre o lombo
carregavam duas ancoretas com água trazidas de cacimbas cacimbões e
lagoas. O jumento, que por mais de 30 anos esteve afastado desse tipo de
trabalho, voltou à atividade nessa seca.
No ano de 1999, o
município serrano foi atingido por uma curta estiagem que fez o açude
Dona Lulu Pinto secar pela primeira vez deixando toda população das
zonas urbana e rural sem água nas torneiras por um período de mais de 90
dias. Sendo essa temporada, o primeiro teste de resistência para o povo
serrano.
Durante este período os Luís-gomenses foram abastecidos
por carros-pipa, que na ocasião cobravam cerca de R$ 50.00 por um
tanque com 7 mil litros d’água.
Em 2001, enxergando futuras
secas e o crescimento urbano acelerado, uma reforma aumentou em um metro
o nível d’água do reservatório. No entanto, não foi suficiente e quatro
anos depois a comunidade sofre novamente com a escassez. Na época, com
menos de 5% de sua capacidade total, a água do açude foi considerada
imprópria para o consumo humano.
Por estar situado a 645 metros
do nível do mar e não ter locais para construções grandes barragens, o
povo serrano sempre sofreu e teve dificuldade de acesso a esse líquido
tão importante e indispensável ao ser humano.
Alguiberto Morais
Site Serra de Luís Gomes
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