Por Fábio de Castro, em 17/04/2012
Agência FAPESP – Editor de Ciência do Financial Times
há duas décadas, o jornalista britânico Clive Cookson acredita que os
temas científicos têm se tornado mais familiares e mais valorizados para
o público, graças a uma cobertura jornalística que se revela pouco a
pouco mais profunda e mais precisa que no passado.
Essa transformação, de acordo com Cookson, deve-se em parte às novas
tecnologias que facilitaram o trabalho do jornalista nos últimos anos.
Mas, segundo ele, a principal razão para que o noticiário de ciência
ganhasse mais qualidade está em uma mudança de atitude dos próprios
cientistas, que perceberam a importância da comunicação.
Cookson, que atua há mais de 30 anos na cobertura dos temas de
ciência e tecnologia, em diversos países e diferentes veículos e
contextos, participou nesta segunda-feira (16/4) do seminário “Ciência
na Mídia”, promovido pela FAPESP na sede da Fundação, em São Paulo.
O evento teve o objetivo de estimular a reflexão, por parte de todos
os envolvidos na produção e divulgação científicas, sobre as maneiras de
propiciar um espaço para a troca de conhecimentos e a proposição de
novos modos de pensar a divulgação desses temas na sociedade. Em
entrevista exclusiva à Agência FAPESP, Cookson comentou esses temas.
Agência FAPESP – Como tem evoluído a cobertura jornalística sobre ciência, considerando os seus 30 anos de experiência na área?
Clive Cookson– Apesar de existirem muitos blogs e sites de
ciência, as pessoas continuam obtendo a maior parte de suas informações
sobre o que está acontecendo no mundo científico por meio da mídia
tradicional: jornais impressos, revistas, TV e rádio. Assim, o cientista
se comunica com o público por meio desses veículos não especializados
em ciência. Essa não é uma relação trivial. Mas sou muito otimista,
porque, olhando com essa perspectiva de 30 anos, percebo que os
cientistas estão se tornando muito melhores na tarefa de se comunicar
com a mídia.
Agência FAPESP – O que mudou nessa relação, da perspectiva dos cientistas?
Clive Cookson– Eles estão se tornando muito mais proativos, mais
abertos. Perderam o medo do contato com os repórteres. É uma mudança
muito grande se você olha em uma perspectiva de longo tempo. E acredito
que se trata de algo até certo ponto generalizado. Aqui no Brasil
percebi que os cientistas são muito abertos.
Agência FAPESP – Qual pode ter sido a razão para essa transformação?
Clive Cookson– Os cientistas perceberam – certamente nos Estados
Unidos e Europa, mas acho que no Brasil também – que é mais provável
conseguir investimentos públicos e auxílios para fazer suas pesquisas na
medida em que eles se tornam bons comunicadores. Na Grã-Bretanha os
conselhos de pesquisa incluem explicitamente a comunicação dos
resultados científicos como um dos critérios importantes para conseguir
investimentos. De modo geral, podemos dizer que você tem mais facilidade
para conseguir o investimento se você estiver preparado para comunicar.
Isso é verdade para os pesquisadores, de forma individual, mas também
em uma perspectiva mais geral: os pesquisadores sabem que a ciência como
um todo terá mais apoio público se os cientistas gastarem um pouco de
tempo e esforço para falar com jornalistas.
Agência FAPESP – Além dessas mudanças do lado da comunidade
científica, houve também evolução do lado da produção da notícia? A
qualidade do jornalismo melhorou?
Clive Cookson– Houve melhora, mas nada que justificasse um
aumento muito grande da confiança dos pesquisadores nos jornalistas. A
qualidade do jornalismo melhorou, mas não acho que isso tenha acontecido
porque os jornalistas se tornaram melhores. O que ocorreu é que ficou
muito mais fácil escrever uma matéria sobre ciência, agora que podemos
ter acesso a artigos científicos na internet, podemos obter comentários
por e-mail e coisas assim. Quando eu comecei no ofício, se quiséssemos
ter acesso a um artigo era preciso ir às bibliotecas e para um simples
comentários era preciso ter muita sorte e localizar os pesquisadores por
telefone na hora certa.
Agência FAPESP – No Brasil os jornalistas de ciência, com
frequência, têm formação em jornalismo, mas não uma formação científica.
Qual é a característica dos divulgadores na Inglaterra?
Clive Cookson– Na Inglaterra há uma mistura. A maior parte dos
jornalistas de ciência tem uma formação em ciência. Eu, por exemplo, sou
formado em química. Mas há outros ótimos jornalistas de ciência que têm
seu background em artes ou humanidades e depois começaram a trabalhar
com ciência e foram excepcionalmente atraídos pela área. Acho que há
prós e contras em ambos os casos.
Agência FAPESP – Em uma situação hipotética: se o senhor
tivesse que contratar um repórter, iria preferir um indivíduo com uma
formação científica, que escreve bem, mas não tem nenhuma experiência
prévia em jornalismo, ou alguém que é um jornalista capaz e talentoso,
mas sem qualquer envolvimento com ciência, nem experiência em jornalismo
científico?
Clive Cookson– Se eu estivesse contatando essa pessoa para um
trabalho de reportagem de ciências em um jornal, por exemplo, não
hesitaria: escolheria o jornalista que tem experiência em reportagem, em
vez de escolher o cientista. Acho que a capacidade para ser um bom
jornalista é de fato o mais importante. Não adianta ser um bom
cientista que escreve corretamente. Porque a ciência realmente requer um
texto diferente, vívido. Prefiro um excelente jornalista que um
excelente cientista para fazer isso.
Agência FAPESP – A percepção do público em relação à importância da ciência também tem mudado?
Clive Cookson– Minha impressão é que o conhecimento sobre ciência
em meio ao público geral melhorou sim. Ainda não é o suficiente, mas
acho que, em geral, a população ficou mais alfabetizada em ciência que
há alguns anos atrás. Muita gente passou a entender melhor as bases da
ciência. As pessoas têm mais intimidade com temas e termos centrais no
mundo científico. Até certo ponto a internet contribuiu com isso, mas
não sei se há grande potencial para melhorar muito mais, porque na rede
também temos muito ruído e desinformação.
Agência FAPESP – Os jornalistas procuram fazer a ciência
mais atraente para o público. Ao mesmo tempo, tendem a mostrar
exclusivamente os resultados de sucesso, deixando em segundo plano o
processo de produção da ciência. Com isso não se corre o risco de
mistificar a ciência junto ao público?
Clive Cookson– Tem toda razão, esse é um problema absolutamente
fundamental na relação entre jornalismo e ciência. No noticiário não há
tempo nem espaço para descrever todos os passos da produção da ciência,
mostrando ao público que não se trata de mágica, mas de um processo
difícil, pontuado de dificuldades e fracassos momentâneos. O que deixa
essa situação pior é que mesmo que você privilegie as pesquisas de
qualidade, publicadas em revistas de prestígio, os artigos científicos
também não lhe darão pistas sobre o processo de como a ciência funciona.
Você só conseguiria dar ao público uma educação científica se fosse
possível acompanhar o trabalho por meses a fio no laboratório.
Geralmente isso é impossível.
Agência FAPESP – Além disso os insucessos raramente são publicados, não é?
Clive Cookson– Sim, essa é outra questão. A publicação, em
particular na área de saúde, normalmente descreve apenas os resultados
positivos. Os resultados negativos quase nunca têm espaço em
publicações. É preciso estar atento a isso para não dar uma falsa
impressão de que a ciência é feita só de acertos.
Agência FAPESP – Quando se noticia os resultados de um novo
estudo, pode ser difícil repercutir a notícia com outros cientistas,
porque muitas vezes eles alegam que ainda não tiveram contato com o
artigo. Como o senhor lida com essa situação?
Clive Cookson– É uma situação extremamente difícil. Em primeiro
lugar porque os cientistas normalmente não indicam seus competidores que
trabalham na mesma área e que poderiam contribuir com um comentário.
Além disso, geralmente é difícil conseguir um comentário sobre um artigo
que acaba de sair e que não foi lido por quase ninguém. Na Inglaterra
temos uma organização é muito útil, nesse sentido, para os jornalistas
da área de saúde: o Science Media Centre.
Agência FAPESP – Como funciona?
Clive Cookson– É um serviço que foi criado há exatos 10 anos e
reúne cientistas que atuam como se fosse assessores de imprensa. Eles
pegam qualquer estudo e avaliam se é controverso, ou interessante o
suficiente para render uma manchete. Então usamos seus contatos, que
fazem comentários com grande qualidade. Acho que o SMC fez mais que
qualquer outra instituição para melhorar a cobertura jornalística de
ciência na Inglaterra. Eles têm excelentes bases de dados e uma incrível
lista de contatos especializados. É muito eficiente.
Agência FAPESP – Muita gente vê os repórteres de ciência
como tradutores de uma linguagem especializada para a linguagem do senso
comum. O que o senhor acha dessa noção?
Clive Cookson– Parte do que fazemos pode ser visto como uma
espécie de tradução, mas espero que nosso trabalho seja algo mais
criativo e complexo que isso. Acho que os jornalistas são capazes de
colocar novas maneiras de se olhar para a ciência que os próprios
cientistas não poderiam proporcionar. É algo mais que simplesmente
traduzir. Podemos gerar imagens, comparações, que os cientistas não
conceberiam. Não se trata apenas de questão de simplificar uma
linguagem, mas de fornecer uma interpretação nova de ideias, contextos e
visões. E, mesmo no campo da linguagem, acho que esse trabalho
extrapola a simples tradução: devemos ser autores capazes de tornar o
conhecimento mais vívido, mais interessante para o público.
Agência FAPESP – Como foi sua trajetória? Por que se interessou por ciência?
Clive Cookson– Sempre me interessei por ciência e me formei em
Química em Oxford. Mas dois fatos mudaram minha trajetória. Um deles é
que notei que o jornalismo científico na Inglaterra não era bom. Ao
mesmo tempo, percebi que eu não seria brilhante o suficiente para fazer
um bom doutorado em química. Eu sabia que se não fosse tão brilhante, um
doutorado em química poderia se transformar em algo não muito criativo,
uma espécie de trabalho braçal para um orientador. Eu sabia que não era
na verdade bom o suficiente para me tornar um grande cientista. Mas
percebi que poderia escrever bem sobre ciência.
Agência FAPESP – E como começou de fato a atuar como jornalista?
Clive Cookson– Fui aceito em um programa de treinamento de um
jornal local, em Londres. Depois de dois anos, tive a oportunidade de ir
para Washington, nos Estados Unidos, por quatro anos, para trabalhar no
suplemento de Educação Superior do Times. Foi uma experiência
fantástica, eu escrevia sobre as universidades e institutos de pesquisa
norte-americanos. Depois voltei para Londres para me tornar repórter de
tecnologia do Times. Comecei, na década de 1980, a trabalhar na rádio
BBC, como correspondente da área da saúde. E de lá fui para o Financial Times, onde tenho atuado como editor de ciência nos últimos 20 anos.
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